25/06/2013 19:39
A eventual aprovação nesta terça-feira (25) de uma das propostas mais polêmicas em discussão no Congresso Nacional, a PEC 37, levará à transferência para as polícias Federal e Civil de 7 mil investigações criminais de iniciativa do Ministério Público, mostram dados da Procuradoria Geral da República. Com isso, caberá às polícias decidir pela continuidade ou pelo arquivamento das apurações.
A Proposta de Emenda à Constituição 37 dá poder exclusivo às polícias para realizar investigações criminais, retirando essa possibilidade do Ministério Público. A Câmara dos Deputados colocou o assunto em pauta nesta terça depois que a PEC virou tema de protestos pelo Brasil nos últimos dias. (O G1 ouviu deputados, promotores, procuradores, delegados de polícia, advogados e outros envolvidos no debate para esclarecer a polêmica em torno da proposta. Saiba o que é a PEC 37, quais são as divergências e como funcionam as investigações criminais no país e leia “Policiais dizem que apuração do MP não tem regra e prejudica investigado“.)
Atualmente, a Constituição determina que o MP fiscalize as apurações policiais, mas não veda investigações próprias. O MP atua junto com a polícia em 135 mil inquéritos em andamento, solicitando coleta de novas provas, por exemplo. Essas apurações continuarão em andamento.
No entanto, promotores e procuradores, diante de denúncias, instauram investigações internas com o chamado Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Quando verificam indícios de irregularidades, enviam o caso para instauração de inquérito nas polícias.
São esses PICs que a PEC 37 pretende encaminhar às polícias, que, nessa hipótese, vão decidir se as investigações terão prosseguimento. Atualmente (dados de 10 de junho de 2013), há 7.068 PICs em andamento.
O Ministério Público é contra a PEC por entender que, quando polícia e MP fazem investigações, diminuem as chances de impunidade
As polícias e entidades da advocacia afirmam que esses procedimentos do MP não têm regras, uma vez que não há prazo para que sejam concluídos. Dizem ainda que ferem o direito da defesa porque os investigados não podem ter acesso aos autos.
De acordo com os promotores, os casos investigados nos PICs são depois remetidos para investigações formais por parte de autoridades policiais. Quando um inquérito policial é aberto após o PIC, o MP monitora a apuração e pode pedir coleta de provas. Pelo texto da PEC, isso será mantido.
Atualmente, dos mais de 7 mil procedimentos internos do MP, 21 estão em andamento na Procuradoria Geral da República. Há casos envolvendo autoridades com foro privilegiado, trabalho escravo e crime de tortura.
Já na Procuradoria da República do Distrito Federal, há 18 procedimentos abertos, entre os quais cinco relacionados ao depoimento de Marcos Valério dado à PGR durante o julgamento do processo do mensalão, em que ele vinculou o ex-presidente Luiz Inácio da Silva ao esquema. Seis foram abertos, mas um virou inquérito na Polícia Federal e deixou de ser PIC.
Argumentos contra a PEC
Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), contesta os argumentos de que o MP só investiga quando quer.
“Quando o MP investiga é porque há uma representação, sempre há uma provocação para isso. […] O que interessa na elucidação de um crime é que a prova convença o Judiciário. Quando o MP faz as próprias investigações, não faz para afrontar a polícia. Faz pela sociedade”, disse Camanho.
Camanho diz que a ANPR concorda com uma regulamentação legal das investigações e que isso seria suficiente para conter as críticas contra os PICs. “Uma regulamentação com formalidade do processo, prazos de investigação, observância do princípio de publicidade, acesso dos advogados, proteção da intimidade com responsabilização dos membros do MP. Um balizamento mediante lei ordinária seria necessário e suficiente.”
Para o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, se o Ministério Público perder o poder de investigação, a mudança na Constituição poderá ser questionada no Supremo.
“Investigação é gênero e inquérito policial é espécie. Só quem pode abrir inquérito policial é a polícia. Mas abrir investigação não é monopólio da polícia. A Constituição é pródiga ao habilitar órgãos públicos a fazer investigação. […] E o Ministério Público, a meu sentir, também está habilitado pela Constituição a fazer investigação no campo criminal e no campo da probidade administrativa. Pode suscitar questionamentos judiciais a subtração do poder de investigação do Ministério Público”, declarou.
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon afirmou que a principal “celeuma” em relação à PEC 37 é que as investigações do MP acabam atingindo principalmente pessoas com foro privilegiado, como parlamentares.
“Eu acho uma temeridade essa PEC. Tirar o poder investigatório do Ministério Público num país onde está havendo corrupção grande e os índices de impunidade são elevados é muito arriscado. […] Por que não querem a atuação do MP? [O MP] atua principalmente naqueles inquéritos ligados a quem tem foro especial. Neles, a atuação do Ministério Público é mais intensa.”
Oriundo da advocacia e integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Jorge Hélio argumenta que a polícia tem problemas estruturais e não deveria ter a exclusividade para investigar. Ele destacou ainda que policiais não detêm a garantia – da qual dispõem os membros do Ministério Público – de não ser retirado do cargo.
“Tirar o poder de investigação do MP e entregar exclusivamente à polícia reconhecidamente não aparelhada, que não passa de 10% a quantidade de delitos que desvenda? […] Não se cuida de ser contra a atividade policial, pelo contrário. A polícia tem que ser melhorada, aparelhada. Mas dizer que só ela pode investigar é dar um golpe no sistema constitucional de 1988”, afirmou.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse em várias ocasiões que a PEC aumentaria a impunidade porque prejudicaria, principalmente, investigações sobre casos de corrupção.
Gurgel argumenta que, sem o poder de investigação do Ministério Público, a ação do mensalão, por exemplo, não teria ocorrido porque, segundo ele, o MP teve condições mais favoráveis para investigar.
Relator da proposta, Fábio Trad (PMDB-MS) disse que o objetivo da PEC é delimitar as atribuições investigativas de ambos os lados e manter as apurações conjuntas, com a polícia investigando e o MP supervisionando.
O deputado diz que, a partir da aprovação da proposta em comissão especial no ano passado, as duas entidades passaram a disputar com base em interesses “corporativistas”. “O MP, antevendo a derrota, deflagrou a campanha classificando de PEC da impunidade. Em reação, as polícias investiram na PEC da legalidade. Hoje, a PEC é a mais polêmica do parlamento brasileiro.”
Fonte: G1