11/07/2014 01:19
A Copa do Mundo em Mato Grosso abriu canteiros de obra e oportunidades de emprego para diversos haitianos recém-chegados no Estado nos últimos dois anos. A finalização das construções focadas no evento, no entanto, pode trazer um revés para os imigrantes.
Hoje, o Centro de Pastoral para Migrantes de Cuiabá, instituição mantida pela Igreja Católica, localizada no bairro Carumbé, prevê que a Capital tenha cerca de 2.500 haitianos.
Deste total, 80% estão concentrados na construção civil, seja ela da iniciativa privada ou do poder público.
No caso das obras da Copa, conforme a Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa), a maior parte dos imigrantes ficou concentrada na Arena Pantanal, VLT e Aeroporto Marechal Rondon.
No caso da Arena, uma das maiores obras e que chegou a ter o pico de dois mil trabalhadores, foram 235 haitianos. As empreiteiras, inclusive, se adaptaram aos imigrantes, colocando avisos em francês – idioma oficial do Haiti – nos locais das construções.
Para auditora fiscal do Ministério do Trabalho, Marilete Mulinari Girardi, que faz acompanhamento e encaminhamento dos haitianos para o mercado de trabalho, o futuro é incerto.
“De fato a Copa foi um atrativo e havia uma demanda muito maior do que hoje. Nosso temor é que tenhamos um revés e essas pessoas comecem a ficar desempregadas”, alertou.
Ao site, o padre Olmes Milani, diretor da Pastoral em Cuiabá, exemplificou a mudança em números.
“Mesmo sem a Copa, há uns meses, as empresas nos procuravam querendo 20, 30 haitianos para trabalharem de uma só vez. Hoje, a demanda é de grupos de cinco ou oito pessoas”.
Uma das explicações, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Cuiabá e Municípios, Joaquim Santana, para a redução na contratação é a forma que os imigrantes gostam de trabalhar.
“Por vezes eles não entendem ou não se adequam às legislações trabalhistas. Outro fato é que sempre gostam de trabalhar em grupos de haitianos. Eles tentam proteger um ao outro, deixando de obedecer regras pré-estabelecidas”, analisou.
O sindicalista, no entanto, rebateu que a possibilidade do desemprego dos imigrantes esteja diretamente relacionada à recessão da construção civil ou ao fim das obras da Copa.
“Não temos levantamentos recentes mas, neste momento, posso dizer que o setor não está nem acelerado e nem em queda. Está mais estável do que caindo ou com boom de expansão. As empreiteiras, inclusive, sempre reclamam que falta mão de obra qualificada”, completou.
A informalidade
Para o padre Olmes Milani, mais que um futuro incerto no mercado formal, o perigo é que a rejeição do setor da construção faça com que os haitianos sigam pelo “caminho mais fácil”.
“Meu salário antes já era baixo, cerca de R$ 800, e hoje eu procuro e não estou encontrando nada. É duro, porque no Haiti eu era motorista e aqui as coisas são diferentes, o salário é baixo e desempregado as coisas são piores”
“O futuro pode ser cruel e haver duas possibilidades: a mendicância e o trabalho na informalidade. Com um aliciador que lhes garantam que a informalidade é um caminho interessante, com resposta financeira rápida, não duvido que isso seja de fato possível”, disse.
Além dos aliciadores, “argumentos reais” para os haitianos são os baixos salários ou a falta de oferta de emprego.
É o caso de Keny Lasseus, 31 anos, da cidade de Cabo Haitiano, ex-operário da Arena Pantanal e há três meses desempregado.
“Meu salário antes já era baixo, cerca de R$ 800, e hoje eu procuro e não estou encontrando nada. É duro, porque no Haiti eu era motorista e aqui as coisas são diferentes, o salário é baixo e desempregado as coisas são piores”.
Como grande parte de seus conterrâneos, Lasseus afirmou em entrevista ao site que o futuro, além de incerto, é “contraditório”.
“Vim para cá porque lá não estava bom, mas hoje, com os salários que ganhamos, é impossível viver aqui e, ao mesmo tempo, juntar a grana para voltar. Precisaria de pelo menos cinco mil dólares americanos”.
Para Jn-Robert Petit-Noêl, 32 anos, de Porto Princípe, os salários também têm sido, assim como o idioma, um obstáculo.
“Quando eu saí do Haiti, fui para a República Dominicana e lá passei três anos. Vim para o Brasil porque me disseram que aqui os empregos eram melhores e não foi isso que eu encontrei. Eu sou costureiro de formação, mas aqui a profissão não é valorizada e eu estou tendo que me capacitar para fazer outras coisas”, disse.
Com a esposa ainda no Haiti, Petit-Noêl explicou que desejava juntar dinheiro para mandar para a mulher e também ter condições de voltar ao país. Por ora, no entanto, o planejamento parece um sonho distante.
“Não tem como. Mal consigo me manter hoje aqui e não vislumbro uma perspectiva de voltar”.
“Problema social”
O secretário de Estado de Justiça de Direitos Humanos, Luiz Antônio Pôssas, garantiu que o Poder Executivo contribui como pode para não deixar faltar moradia ou alimentação para atender todos os haitianos que aqui chegam.
Divulgação |
A grande maioria dos haitianos em MT é absorvida pelo setor da construção civil |
A informação, no entanto, foi rebatida tanto pelo padre Olmes Milani como pela auditora fiscal do Trabalho Marilete Mulinari Girardi. Ambos informaram que a Pastoral do Migrante, por exemplo, vive de doações e que o ente público que mais ajuda atualmente é a Prefeitura de Cuiabá.
Pôssas ainda afirmou que o intuito é que haja maior restrição a entrada de migrantes no Estado, para que eles não se transformem em um “problema social”.
“Nós damos suporte para não deixar passarem por nenhuma necessidade básica. O que também temos nos preocupado em fazer é qualificar essas pessoas para que elas retornem ao seu país de origem, mesmo porque, no caso da construção civil, a tendência é desativar um pouco o setor”.
Fonte: MidiaNews