17/08/2015 09:57
Apesar de ser a segunda economia do mundo, China ainda apresenta alto nível de desigualdade. Um por cento da população concentra um terço da riqueza nacional.
Lágrimas é nome da redação escolar que está comovendo a China nestes dias, escrita por Muku Yiwumu, uma menina de 12 anos da cidade de Liangshan, na província de Sichuan. Nela, a garota descreve sua tristeza e desamparo depois da morte dos pais. Há quatro anos, o pai dela morreu. Em seguida, a mãe adoeceu.
“Não tínhamos dinheiro, e ela não melhorava”, escreveu a menina, que pertence à minoria de yi. Mesmo no hospital, ninguém conseguiu ajudar a mãe dela. “Eu a trouxe para casa e cozinhei para ela. Quando a comida ficou pronta, ela já estava morta”, escreve a estudante. “Dizem que há um lugar chamado Lago do Sol e da Lua. Sua água é feita das lágrimas de uma filha que sente falta da mãe.”
Comoção
Uma professora da menina colocou o texto na internet e agora todo o país discute sobre pobreza, que ainda existe, apesar das fachadas reluzentes dos arranha-céus e do crescimento extraordinário econômico da China. “A redação mais triste de todos os tempos”, afirmam muitos usuários do Sina Weibo, portal de mensagens curtas chinês nos moldes do Twitter.
“Isso me mata, quando vejo que essas pessoas ainda estão sofrendo com a pobreza em uma sociedade cada vez mais próspera”, escreve um internauta. “Redução da pobreza é um osso duro de roer, mas ao invés de simplesmente distribuir dinheiro, o governo deveria encontrar maneiras de tornar a luta mais eficaz.”
Surgiram até mesmo críticas contra a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, em Pequim. O jornal controlado pelo Partido Comunista Global Times deixou claro que o governo “só” investirá 3,9 bilhões de yuans no evento, mas usou mais de 8 bilhões na luta contra a pobreza entre 2010 e 2013.
Embora haja atualmente dúvida de que a menina tenha escrito a redação sozinha com tamanha intensidade – possivelmente, ela ganhou uma ajuda da professora –, o texto gerou uma onda de solidariedade.
Uma página da internet lançou uma campanha por doações, anunciando que em torno de 900 mil yuans (cerca de 130 mil euros) foram recolhidos para as crianças de Liangshan. A região está entre as mais pobres da China. A área montanhosa é conhecida pelo tráfico de drogas e por uma elevada taxa de infecção pelo HIV. Mais de 20 mil pessoas estão infectadas com o vírus na região, segundo a agência de notícias estatal Xinhua.
Pobreza absoluta
Arranha-céus com fachadas reluzentes dominam as cidades chinesas. Rodovias, aeroportos e vias ferroviárias expressas foram construídos no país nos últimos anos. Em Pequim, Xangai e Guangzhou, as ruas são congestionadas, muitas vezes por carros caros, de marcas importadas.
E, apesar disso, a China ainda é um país em desenvolvimento. De acordo com o Banco Mundial, uma pessoa vive em pobreza absoluta quando dispõe de menos de 1,25 dólar por dia. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas da China, cerca de 70 milhões de pessoas ainda vivem no país nessa condição.
Essas pessoas vivem, em sua maioria, na zona rural. A renda de um morador da cidade grande é, segundo com dados do Instituto Nacional de Estatísticas da China, quase três vezes maior do que a de um morador do campo. O governo chinês definiu 592 regiões como “empobrecidas”, quase todas estão no oeste ou no centro do país.
São principalmente regiões montanhosas ou desérticas, com climas extremos, onde cada colheita é realizada com dificuldade. “Muitas vezes, as minorias étnicas são afetadas pela pobreza”, diz Zhang Ming, cientista político da Universidade Popular da China.
Ele acrescenta que muitas vezes essas pessoas têm uma educação deficiente e que muitos não falam mandarim. “Se você não fala mandarim, você tem menos oportunidades. Por isso, eles não encontram emprego e não podem fazer negócios com os chineses da etnia han”, diz Zhang, se referindo ao maior grupo étnico chinês. “Infelizmente, o ensino bilíngue é muito fraco nesses lugares.”
Desigualdade extrema
Mas a China obteve um sucesso sem precedentes na luta contra a desigualdade. Desde o início das reformas econômicas, no começo dos anos 1980, o governo chinês retirou cerca de 620 milhões de pessoas da pobreza extrema, segundo dados oficiais – o Banco Mundial contabiliza 500 milhões.
Um dos países mais pobres do mundo se tornou a segunda maior economia do planeta, atrás dos Estados Unidos. Enquanto no tempo de Mao, quase todos eram igualmente pobres, a riqueza hoje é distribuída de forma extremamente desigual. Existem 430 bilionários na China, apenas os EUA têm um número maior.
De acordo com um estudo da Universidade de Pequim, cerca de 1% dos chineses possui um terço da riqueza total, enquanto o um quarto mais pobre da população tem que dividir um 1% da riqueza do país.
“O problema é que o poder é concentrado demais”, afirma o sociólogo Zhou Xiaozheng, da Universidade Popular da China, em Pequim. “Não importa o quão pobre é uma região, ou não importa se você vive no campo ou numa cidade de interior, enquanto você tem o poder, você se torna relativamente rico.”
Por Christoph Ricking em Deutsche Welle