21/08/2015 05:19
Houve um tempo em que os cachorros corriam atrás dos carros. Era uma cena comum: vira-latas perseguindo carros, latindo, como se quisessem expulsar um intruso no seu meio. Às vezes, viam-se bandos de cães indignados perseguindo carros que passavam e dava até para imaginar que um dia conseguiriam alcançar um, dos pequenos, pará-lo, cercá-lo e… E o quê? Comê-lo? Nunca ficou claro o que os cachorros fariam se alcançassem um carro. Era uma raiva sem planejamento. (Hoje, a cena de cachorros correndo atrás de carros é rara. Os cachorros modernizaram-se. Renderam-se ao domínio do automóvel. Ou convenceram-se do seu próprio ridículo).
Os manifestantes contra o governo sabem o que não querem – a Dilma, o Lula, o PT no poder -, mas ainda não pensaram bem no que querem. Se conseguirem derrubar o governo, que cada vez mais se parece com um Fusca indefeso sitiado por cães obsoletos, o que, exatamente, pretendem fazer com o vácuo? A política econômica atual é um sonho neoliberal. Seu oposto seria uma volta à política econômica pré-Levy? Dependendo de como for impedida a Dilma, o vácuo pode ser preenchido pela ascensão do vice-presidente (tudo bem), pelo eleito num novo pleito (seja o que Deus quiser) ou pelo Eduardo Cunha (bate na madeira). O que os manifestantes preferem? A raiva precisa de um mínimo de previsão.
Uma parte dos manifestantes não tem dúvida do que quer. Da primeira grande manifestação de 2013 passando pelas duas deste ano, o que mais cresceu e apareceu foi a linha Bolsonaro, que pede a volta da ditadura militar e lamenta, abertamente, que os militares não tenham matado a Dilma quando tiveram a oportunidade. Por sinal, o Fernando Henrique talvez se lembre que o Bolsonaro disse a mesma coisa a seu respeito. Mas, enfim, as guerras fazem estranhos aliados.
Por Veríssimo em DCM