26/10/2015 03:46
Além de 5 portos no Pará e 3 áreas no Porto de Santos, União concederá 7 mil km em 15 trechos rodoviários e continuará programa de aeroportos.
A crise política tem atrapalhado, mas o governo federal mantém firme o propósito de conceder à iniciativa privada dezenas de projetos logísticos, cujos valores somados chegam a 198,4 bilhões de reais. O ambiente nunca foi, porém, tão pouco amistoso. Além do conturbado cenário político e econômico, as novas condições de financiamento dos empreendimentos e o impacto da Operação Lava Jato sobre o setor de infraestrutura criam obstáculos extras.
Liberados pelo Tribunal de Contas da Uniãono fim de setembro, os leilões das primeiras concessões de terminais portuários, por meio de outorga, poderão ser realizados ainda neste ano. Os editais para arrendamento de oito áreas, cinco nos portos públicos do Pará e três no Porto de Santos, devem ser divulgados em breve. As empresas vencedoras terão direito a explorar os terminais pelo prazo de 25 anos. Na primeira etapa estão previstos investimentos de 2,1 bilhões de reais, e o governo projeta arrecadar até 1 bilhão de reais.
Entre os interessados estão grupos europeus e asiáticos, com destaque para tradings agrícolas, interessadas em consolidar operações no País e ficar mais próximas de um píer em um porto, o que lhes proporcionaria maior competitividade. “Há muitas consultas em andamento, principalmente de estrangeiros, alguns interessados em voltar a operar no Brasil, outros em busca de consolidar suas operações”, afirma Paulo Dantas, sócio da área de infraestrutura do escritório Demarest Advogados. Os editais, acredita, devem ser lançados até o fim de 2015, mas as licitações provavelmente só sairão do papel no próximo ano. “Lançar o edital desses primeiros arrendamentos neste ano já seria uma vitória.”
Inicialmente, o modelo portuário não previa a cobrança de outorga onerosa, agora autorizada pelo TCU. A alteração é, porém, malvista pelos clientes dos portos. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Usuários de Transportes, Luiz Henrique Baldez, a cobrança resultará em tarifas mais altas. Ele cita a licitação de um terminal de grãos no Maranhão, cujo investimento inicial era de 350 milhões de reais. O vencedor do certame tinha de oferecer o maior ágio pelo ativo. O consórcio que ganhou a obra pagou 300 milhões de reais acima do preço mínimo. “Um ágio de 20% em uma licitação representa alta de 25% na tarifa.”
No caso das rodovias, a União pretende realizar o maior programa de concessões da história. São 7 mil quilômetros em 15 trechos rodoviários que exigirão investimentos de cerca de 50 bilhões de reais. Entre 1995 e 2014, foram concedidos cerca de 10 mil quilômetros de vias pela União. No III Fórum Brasil, realizado por CartaCapital em maio, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que o processo de licitações pode ser contínuo. “No setor elétrico, todos os anos se realizam leilões. Podemos fazer o mesmo com as rodovias, até que todos os trechos com viabilidade econômica sejam concedidos.”
Cerca de 40 empresas realizam estudos sobre os trechos em oferta. As taxas internas de retorno deverão ficar entre 8% e 9%. Para Luiz Souza, sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, a disputa ocorre simultaneamente à Operação Lava Jato, que atingiu em cheio as maiores construtoras do Brasil. Isso abre espaço para novos competidores, sejam fundos estrangeiros, sejam pequenas e médias empreiteiras. “Podemos ver um agrupamento de empresas locais menores.”
Há expectativa de que sejam formados novos consórcios nos moldes da MGO Rodovias, concessionária formada por fornecedoras e construtoras pequenas, entre elas a Estrutural, a Kamilos, Maqterra e a Vale do Rio Novo Engenharia e Construções. Em setembro de 2013, a MGO arrematou o trecho da BR-050, entre Goiás e Minas Gerais, da terceira etapa das concessões rodoviárias federais.
Segundo Samuel Santos, sócio da Upside Finance, uma construtora de médio porte procurou recentemente a consultoria financeira para vender as seis Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). “Eles querem se capitalizar. Enxergam uma oportunidade única de participar das concessões e dos negócios que se abrem por causa dos desdobramentos da Lava Jato e do programa do governo.” Destaca Luciano Amadio, presidente da Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas: “Fizemos há algum tempo uma reunião sobre as concessões de rodovias e 80 empresários, advogados e consultores estiveram presentes para saber mais detalhes. Há empresas que faturam de 50 milhões a 200 milhões de reais interessadas em participar das oportunidades de mercado”, revela.
Para Hélcio Takeda, da consultoria Pezco, existe um vácuo deixado pelas empreiteiras investigadas na Lava Jato, mas o rebaixamento da nota de crédito do Brasil e as incertezas políticas acirram a competição. “O México está fazendo um processo similar de venda de aeroportos e Londres também está com um projeto.” As incertezas da Lava Jato, acrescenta, também se refletem sobre os novos processos de concessão. “As empresas europeias e norte-americanas sujeitas a normas de compliance mais rígidas podem ter dificuldade de vir aqui, enquanto chinesas e espanholas teriam maior acesso.”
O programa não movimenta apenas as médias e pequenas construtoras. Os fundos de private equity estrangeiros e fundos soberanos, entre eles os de Cingapura e Abu Dabi, estão de olho na carteira de projetos. A desvalorização do real tornou os ativos brasileiros mais atraentes. “Temos uma dezena de mandatos de investidores avaliando concessões que sairão e empresas que poderão ganhar espaço com a Operação Lava Jato, mas a crise política tem deixado em banho-maria os processos, pois há muita incerteza”, diz um banqueiro.
De olho nessa movimentação, para aumentar o apetite do mercado, fomentar a disputa do número de participantes, os trechos rodoviários a ser concedidos terão, em média, cerca de 400 quilômetros de extensão, metade dos seis lotes transferidos à iniciativa privada em 2013. Destravar o mercado para empresas menores exigirá a superação de obstáculos. Um deles é a questão das garantias, ressalta o sócio da BF Capital, Renato Sicupira.
A modalidade de project finance, na qual os recebíveis do projeto são a garantia, ainda ensaia os primeiros passos. Outro entrave está na demora em obter empréstimos de bancos oficiais, com taxas de juro menores. O tempo de aprovação do crédito na Caixa Econômica Federal ou no BNDES, por exemplo, demora de 8 a 12 meses, o que exige a obtenção de um empréstimo-ponte em instituições financeiras privadas e eleva o risco de financiamento do projeto. Também não é fácil fechar um contrato do seguro para cobrir o risco de construção do empreendimento.
Quanto aos aeroportos, o governo dará continuidade ao programa que concedeu nos últimos anos os terminais de Guarulhos, Viracopos, Brasília, São Gonçalo do Amarante, Galeão e Confins. Os primeiros da nova lista são Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Florianópolis. Os concessionários terão de investir 8,5 bilhões de reais e, após os leilões, dois terços dos passageiros passarão a ser transportados em aeroportos privados em um mercado que, desde 2003, cresce a dois dígitos.
Duas dúvidas tiram, porém, o sono dos investidores: a participação acionária da Infraero (a tendência é ela cair dos 49% da primeira para 15% ou 20%) e possíveis barreiras à participação de empresas que operam outros terminais. “Falou-se em um raio de mil quilômetros de restrição, mas isso ainda não está acertado”, afirma Dantas, do Demarest Advogados.
A situação das ferrovias é mais complicada. Desde o anúncio das concessões, foram feitas diversas mudanças no modelo lançado em 2012, mas jamais colocado em prática. “Não há uma definição do que poderá ocorrer, está tudo muito incipiente”, diz Paulo Fleury, do Instituto de Logística e Supply Chain. A alteração mais relevante foi o abandono do modelo chamado Open Access, no qual o operador da infraestrutura não poderia participar do transporte. O governo retornou ao modelo de integração vertical, em que a concessionária é responsável tanto pela infraestrutura quanto pela operação do material rodante. A intenção, contudo, é reforçar e incentivar os mecanismos de compartilhamento de infraestrutura, incluído o direito de passagem e tráfego mútuo, já existente na regulação.
Os investimentos previstos somam 86 bilhões de reais, mas a projeção é vista com ceticismo, principalmente pelo fato de cerca de metade do montante referir-se ao projeto da ferrovia bioceânica, uma iniciativa do governo chinês, interessado em uma rota alternativa ao Canal do Panamá. A obra, que no lado brasileiro teria cerca de 3,5 mil quilômetros em trilhos, envolveria a interligação do Brasil com o Peru, com financiamento chinês. O projeto foi anunciado na visita do primeiro-ministro Li Keqiang ao Brasil, em junho, e deverá ter uma parte dos estudos entregue em maio de 2016. “É uma obra com grandes dificuldades ambientais, não acredito que haja grande viabilidade”, diz o diretor do Instituto de Economia da Faap, Rubens Ricupero.
Por Roberto Rockmann em Carta Capital