18/11/2015 18:14
Trinta anos depois, esta afirmação continua válida: Só o político pode salvar o economista/economia
Temos insistido que a economia é uma disciplina na qual se enfrentam sempre os mesmos problemas. O que muda são as suas soluções, de acordo com a ampliação do entendimento de como funciona o sistema econômico; dos avanços da psicologia, a mostrar que o homem é um bicho mais complicado do que costumava ser, pois no seu processo decisório combina em graus diferentes a “razão” e a “emoção”; de como se manejam os novos instrumentos analíticos disponíveis para simplificar (e entender) essas decisões e de como se aproveita o ensinamento da história, que vai acumulando os efeitos das soluções fracassadas.
Isso deveria nos ensinar duas coisas: primeiro, que o caminho para a sociedade civilizada é conhecido, já foi trilhado pelas nações hoje desenvolvidas. É longo e pedregoso. Percorrê-lo exige paciência e persistência. Raramente admite atalhos que não sejam adaptar soluções que os que estão na frente conseguiram com sucesso. Segundo, que é preciso respeitar a história, a geografia, as restrições físicas e os conhecimentos acumulados pela disciplina da economia ao longo de séculos, além de prestar atenção às novas respostas, sugeridas pelo esforço teórico, às velhas questões que nos acompanham.
O problema é que a construção de uma sociedade ”civilizada” não é um problema econômico. Os economistas de todas as “escolas” neoliberais, keynesianas, kaleckianos, marxianos e tutti quanti, se vivem no Brasil e não no país da Alice, conhecem as variantes do caminho. O problema é político: como educar e convencer a sociedade a rejeitar nas urnas a solução que oferece a alegria gratuita, a linha reta declinante sem obstáculos, no qual a força da gravidade (a “ideologia” ou a “demagogia”) faz o seu trabalho, mas que a História mostra que, mais dia, menos dia, termina no inferno? Como levá-la a escolher o caminho mais virtuoso que exige sacrifício e paciência?
Para escapar da hipótese do “déspota esclarecido”, as sociedades hoje desenvolvidas assistiram a uma coevolução da educação (frequentemente ligada à religião: a necessidade de ler a Bíblia) com a invenção do sufrágio cada vez mais universal, que moderou o poder da concentração do capital. Empoderou o trabalhador desamparado, produto da criação do direito à propriedade privada, transformando-o em eleitor, na construção do que hoje chamamos “capitalismo”. Este é, apenas, um instante histórico na busca continuada da sociedade civilizada a que o homem aspira.
A questão é, portanto, puramente política: como organizar e dar instrumentos de poder à liderança eleita pelo sufrágio universal para implementar os mecanismos de administração relativamente eficientes, compatíveis com mais liberdade, mais igualdade e maior produtividade? A resposta parece ser: eleições livres, em distritos bem definidos e regras de barragem adequadas que permitam uma coalização majoritária estável para propor e aprovar as soluções nascidas das experiências dos países democráticos bem-sucedidos.
Talvez seja hora de deixar de lado a reeleição que, sem qualquer controle social, revelou-se um mal. Seria melhor um parlamentarismo (infelizmente, recusado em dois plebiscitos viezados) inteligente que garanta ao governo a maioria eficaz ou o leve à dissolução. É muito triste ter de reconhecer que o recente “esforço reformista” do Congresso afastou o Brasil ainda mais de um sistema político minimamente funcional.
Talvez estejamos em um momento semelhante àqueles de Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello, nos quais emerge o que se vayam todos, como sugere uma recente pesquisa de opinião. Infelizmente, os dois ex-presidentes não souberam aproveitar o acidente que lhes deu a oportunidade de um protagonismo digno de figurar com admiração na história nacional. Ainda assim, eles mandaram para casa todos os profissionais do atraso…
A situação da nossa economia só é um problema sem solução porque dispomos de uma trágica organização política: primeiro, um presidencialismo de coalização, em que a presidenta nem assume o seu protagonismo nem coaliza e, segundo, um Congresso perdido e ocupado com propostas que, com raras exceções, ignoram o interesse nacional e insiste em dissipar sua energia num sinistro retrocesso civilizatório. Em 1986, quando fui candidato à Constituinte, publiquei um pequeno livro, Só o Político Pode Salvar o Economista. Trinta anos depois, parece que isso ainda continua verdade…
Por Delfin Netto