13/04/2016 16:48
O governo Dilma já acabou, mesmo se vencer o impeachment, dizem especialistas. Enfraquecida e com um vice de oposição, Dilma não tem mais muito a fazer.
Qualquer que seja o resultado da votação do pedido de impeachment, no plenário daCâmara neste domingo (17), só há uma certeza entre os cientistas políticos: o governo de Dilma Rousseff já acabou. A questão apenas é saber se ela deixará o Palácio do Planalto ainda neste ano, ou se viverá como uma presidente decorativa até 2018.
“O futuro de Dilma é extremamente tenebroso, mesmo se vencer a briga contra o impeachment”, afirma o cientista político Paulo Silvino, professor da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política do Estado de São Paulo). Até onde a vista alcança, as chances de derrota da presidente na Câmara crescem a cada dia, com o desembarque de aliados de todos os tamanhos e matizes ideológicos – desde o maior partido da coalizão, o PMDB do vice-presidente Michel Temer, até legendas médias e pequenas, cujo único interesse é o acesso a cargos e verbas, como o PP do folclórico Paulo Maluf e o PSD do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, que já disse que não é nem de esquerda, nem de direita, muito pelo contrário.
Assim, se Dilma vencer, será por uma margem pequena de votos. Isso, por si, já acarretará diversas implicações no perfil de seu governo até 2018. A primeira é que somente uma vitória expressiva poderia calar a oposição e desarmar o ânimo das ruas. “Se vencer por pouco, os derrotados não vão se conformar com o resultado e buscarão novos meios de interromper seu mandato”, explica o cientista político e consultor Paulo Kramer.
É preciso lembrar que o pedido apresentado pelos juristas Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior é apenas um entre mais de 30 guardados na gaveta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, inimigo declarado de Dilma. Caso esse processo seja barrado pelos aliados da presidente, Cunha pode ser pressionado, ou se sentir tentado, a despejar outros sobre o Palácio do Planalto. Um deles, em particular, preocupa o governo: o protocolado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no mês passado. O documento é considerado tão consistente e bem feito, quanto o que tramita hoje na Câmara, e ainda tem o mérito de incorporar fatos novos, como a delação de Delcídio do Amaral (ex-PT, MS), ex-líder do governo no Senado.
Em um ritmo mais lento e imprevisível, o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer cochila no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pode se tornar a maior aposta para quem deseja ver a petista longe de Brasília o quanto antes. “Dilma seria testada ao longo deste ano em diversas situações”, observa o cientista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. “Ela viverá uma ressaca moral constante.”
Quem defende?
Outro ponto importante para definir o que seria um governo Dilma pós-impeachment é: quem cobrará a fatura por salvá-la? Há dois personagens óbvios. O primeiro é o PT, seu partido, com quem também vive às turras – a ponto de a presidente inventar contratempos para não aparecer na festa de aniversário da legenda, e muitos de seus companheiros afirmarem publicamente que não faziam questão de brindar com ela.
Se os petistas, centrais sindicais e movimentos sociais se sentirem responsáveis por seu resgate, apresentarão a conta, na forma de exigências para mudar o rumo da política econômica e ganhar mais acesso a cargos e verbas. O nó da questão é que o Brasil vive uma profunda crise econômica, e as medidas necessárias para dirimi-la desagradam os companheiros de Dilma. “O grande problema é que elas contrariam as convicções do PT”, resume Ribeiro, da MCM. Traduzindo: em vez de colocar as contas públicas em ordem e bancar reformas estruturais, a presidente será empurrada para caminhos heterodoxos ou, no máximo, inócuos.
Outro ator que cobrará caro por preservar seu pescoço são os partidos nanicos e incolores do “centrão”. Preocupados apenas com cargos e acesso a verbas públicas, essas legendas pressionarão Dilma a abrir os cofres, mesmo que o país enfrente problemas fiscais e precise economizar dinheiro.
Por isso, tudo aponta para uma base extremamente pequena e fisiológica de sustentação do restante do governo Dilma, o que tirará seu poder de bancar decisões de maior envergadura. “Dilma ficará muito fragilizada para implantar medidas que recoloquem a economia nos trilhos”, diz Vitor Oliveira, consultor político da Pulso Público. “Teremos um governo de minoria”, acrescenta.
O inimigo despacha ao lado
O que já é ruim tem tudo para ficar pior. A presidente terá de conviver pelo resto do mandato com o vice Michel Temer, a quem acusa de traição e de liderar o “golpe” contra seu governo. O peemedebista já declarou que não pretende renunciar nesse caso, e optará por um relacionamento institucional com Dilma.As opiniões sobre o peso do vice até 2018, porém, divergem.
Para alguns analistas, o Brasil enfrentará a bizarra situação de ter dois governos. “Haverá um gabinete de fato, tocado por Temer, e outro de direito, encabeçado por Dilma”, avalia Silvino, da Fespsp. O motivo seria a percepção dos parlamentares de que a presidente continuaria personificando a crise e, portanto, não teria condição de decidir nada. Por isso, Silvino estima que muitos tendem a ignorá-la e negociar cargos e verbas com o vice daqui para a frente. “Ela manteria a legitimidade do cargo, porque foi eleita democraticamente, mas não teria governabilidade”, diferencia Silvino, da Fespsp. “Isso é tenebroso para a democracia”, acrescenta.
Já para outros analistas, a vitória de Dilma representará, sem meias palavras, a derrota de Temer. “O vice-presidente será o grande perdedor, neste caso”, diz Kramer, consultor político, para quem o peemedebista não deve renunciar ao cargo por questões bem práticas. Temer não está licenciado de nenhum mandato político, como deputado ou senador, por exemplo. Além disso, ele comanda um partido rachado e recheado de líderes regionais, feudos e interesses pessoais. “Ele perderia sua sustentação institucional”, diz Kramer. Em bom português: deixaria de ser a grande esperança nutrida pelos partidos menores de compartilhar nacos de poder, para se tornar alguém sem influência sobre a máquina pública – um pecado mortal, em se tratando do PMDB e legendas reconhecidamente fisiológicas.
Vai-se um mito
A última peça desse quebra-cabeças é o que será de Lula, numa eventual continuidade do governo. De novo, a resposta não é simples. O ex-presidente e patrono de Dilma só poderá evocar ares de salvador da pátria se sua apadrinhada política vencer o processo de impeachment por uma margem indubitável de votos.
Somente assim Lula poderia arvorar-se como um articulador político que faz milagres e carimbar seu passaporte para o ministério da Casa Civil. Se, porém, a vitória for magra, o toque de Midas do ex-metalúrgico será questionado por aliados e opositores. Além disso, há dúvidas sobre o futuro da maior estrela do PT.
Há quem diga que a vitória de Dilma na Câmara acirraria os ânimos, a tal ponto que o STF e a Operação Lava Jato decidissem liberar o caminho para a prisão de Lula. Neste cenário, a presidente escaparia ao impeachment, mas perderia sua maior esperança de contar com um mestre em articulação política, capaz de lhe dar um mínimo de base.
Tudo isto posto, Dilma será um grande exemplo do “ganhou, mas não levou”. “A derrota do impeachment na Câmara não resolve nada”, resume o cientista político e consultor Paulo Kramer. Nem para a presidente, nem para o PT, nem para a oposição, nem para o Brasil.
Por Márcio Juliboni e Marcelo Ribeiro em O Financista