Entrevista – O BlackRock, Will Landers traça o desfecho da crise

14/04/2016 17:51

Maior parte do dinheiro aguarda impeachment para entrar no Brasil, diz BlackRock. Will Landers fala sobre estratégias de investimentos em meio ao caos político.

Ao custo de perder parte do rali do impeachment, que fez a Bolsa disparar 23% só em 2016, a maior parte dos investidores globais está aguardando o desfecho da crise política para entrar no país, avalia Will Landers, gestor de fundos para a América Latina da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo.

“Os fundos globais e não dedicados ainda nem começaram a olhar. Tem muita gente com a atitude de esperar para ver. Então, ainda há muito dinheiro para entrar”, disse Landers em entrevista por telefone nesta quarta-feira (13). Segundo ele, o Ibovespa pode subir acima de 60 mil pontos com uma eventual troca de governo.

“Tivemos um rali, não só das ligadas ao governo, mas das large caps. Acho que, em um segundo plano, será como vimos em 2009. Após esse rali inicial, focado nas grandes, as médias e pequenas vão começar a participar quando os investidores perceberem que não é apenas um “call” top-down do Brasil, ressalta.

Veja, abaixo, a íntegra da conversa:

Como o senhor tem visto, de uma maneira geral, o cenário de investimentos no Brasil na comparação com o ano passado?

Will Landers: As coisas vêm mudando rapidamente. A situação no Brasil está bem binária. Se o impeachment acontecer, como está sendo precificado agora, acho que ainda há espaço para o mercado subir um pouco. Viemos de um nível bastante baixo, especialmente em dólares, e a perspectiva até meados de março era que, com a continuação do governo da presidente Dilma Rousseff, estaríamos no cenário “muddle through” [de continuidade] com a continuação de déficits altos, dívida aumentando, inflação não baixando, empregos sendo perdidos e, com isso, ter no máximo uma economia de lado ou descendente, que é o que a gente está há mais de dois anos.

Com o potencial de uma mudança no governo, a minha expectativa é que ele seja mais hábil e trabalhe com um Congresso que escutou o povo e entende a necessidade de trabalhar junto com Executivo para tirar o Brasil do buraco. Essa é a razão pela qual o Ibovespa subiu e o real apreciou. O risco para a Bolsa agora é que se o impeachment não acontecer em algum tipo de acordão, o mercado volta rapidamente. Depois, com a ascensão do governo Michel Temer, será preciso trabalhar duro para diminuir a dívida, déficit e colocar o Brasil de novo em uma trajetória de crescimento já na metade do ano que vem e, em 2018, com um crescimento decente.

O impeachment pode ser visto como uma quebra estrutural sobre o que tem acontecido no país?

Landers: Sem dúvida. Acho que, desde o fim do segundo governo do presidente Lula, começamos a ver uma reversão dos ganhos que vimos desde o começo do Plano real. E, nos últimos dois anos, isso se acelerou bastante com a deterioração da parte fiscal. O Banco Central perdeu a credibilidade e o controle da inflação, que chegou a dois dígitos no ano passado. E isso muita gente nem sabe o que quer dizer porque nunca viu uma inflação assim. Estamos falando de um nível menor do que antes do Plano Real, mas é um regresso muito forte e desnecessário.

Essa política econômica do ministro Guido Mantega e que agora teve continuidade, apesar de oJoaquim Levy ter tentando melhorar as coisas, já se sabia que não ia funcionar. É uma pena que agora precisamos passar por este processo de recessão, que chega quase a ser uma depressão econômica, para as pessoas se darem conta que esse modelo não funciona para voltar a um com mais ortodoxia e retomar o tripé macroeconômico [metas de inflação, fiscais e câmbio flutuante]. Isso porque dois deles foram cortados e o câmbio flutuante foi meio mantido à força.

O senhor acha que atingimos um fundo do mercado e agora os investidores estão tentando precificar como será um novo governo liderado por Michel Temer e um ministério de “notáveis”?

Landers: Espero que sim. Essa é a esperança do mercado, que ele entre com uma equipe técnica e siga um plano de ação que já foi desenhado na campanha do Aécio Neves em 2014. Não precisam ser as mesmas pessoas, mas a mesma cabeça. Estive em um painel no Brasil, em março, antes do otimismo com o impeachment. Os deputados que participavam ali tinham uma unanimidade sobre uma reforma da previdência e a questão era se teria alguma pessoa com pulso e fortaleza para fazer isso.

Ou você faz e salva o programa, ou eventualmente não vai sobrar nada para ninguém. Outra coisa é desvincular todos os gastos obrigatórios do Orçamento, além de um Banco Central mais ativo e que reconquiste a credibilidade do mercado. A gente tem que trazer a inflação para baixo para voltar a ter o crescimento da classe média brasileira e da renda dos trabalhadores para sair da recessão. Em termos de confiança, acho que vai começar com a do empresário, depois dos investidores, e por fim, dos consumidores. Mas isso precisa vir relativamente rápido porque isso pode abrir espaço para uma recessão também em 2018.

Vimos uma alta generalizada na Bolsa puxada por empresas ligadas ao governo. Ficou alguma interessante para trás que o mercado não olhou?

Landers: Tivemos um rali, não só das ligadas ao governo, mas das large caps. Acho que, em um segundo plano, será como vimos em 2009. Após esse rali inicial, focado nas grandes, as médias e pequenas vão começar a participar quando os investidores perceberem que não é apenas um “call” top-down [análise macroeconômica] do Brasil e vão começar a ver quais companhias vão ter uma recuperação com a melhora da economia.

O senhor tem aumentado as posições no Brasil, pensando no impeachment, ou é melhor ele de fato acontecer para mudar a postura?

Landers: Quando começamos a sentir que tinha uma probabilidade maior de 50% do impeachment ocorrer, quando aconteceu a delação do senador Delcídio Amaral e a deposição do Lula, fizemos uma mudança rápida nos portfolios, comprando large caps ligadas ao governo ou não. Desde então, temos administrado essa posição um pouquinho overweight [expectativa de desempenho acima da média do mercado]. Ou seja, ainda tem o risco de o impeachment não acontecer então não podemos apostar todas as fichas. Mas acho que estamos bem posicionados para aproveitar a mudança de governo. Esperar até segunda-feira ou que o Senado vote, aí então acho que seria tarde demais. Isso, pelo menos, para continuar a pegar essa continuidade do rali que tem acontecido desde março.

Então, em sua visão, os investidores ainda têm muitas fichas para apostar no mercado brasileiro?

Landers: Os fundos globais e não dedicados ainda nem começaram a olhar. Tem muita gente com a atitude de esperar para ver então ainda há muito dinheiro para entrar.

Essa segunda onda do rali, após a concretização do impeachment, será mais racional?

Landers: Os dedicados vão começar a olhar para os papéis de segunda linha. Os globais, que só querem exposição ao Brasil, irão olhar a primeira linha. Até agora, acho que mais os fundos passivos e ETFs têm se beneficiado de um dinheiro inicial que começou a entrar. Olhando para os nossos fundos, por exemplo, tivemos vários meses de saída líquida e resgates, mas março e abril estão sendo positivos. Há muitos que ainda estão esperando para ver. Vão perder um pouco do rali, mas vejo o Ibovespa indo acima de 60 mil pontos com uma mudança e governo. O real deverá se estabilizar em torno de R$ 3,50, talvez com algum overshooting, mas ainda há muito upside para bastante coisa na bolsa. Se tiver as reformas, o custo Brasil poderá começar a cair.

Estando fora do Brasil, você acha que é melhor para ter uma visão mais sóbria sobre o que tem acontecido no país?

Landers: Sem dúvida você fica menos influenciado pelos altos e baixos da euforia. Quando estive no Brasil em março, voltei com a cabeça de vender tudo e procurar outro emprego. Claro que não fizemos isso, mas espero que tenha alguma vantagem ficar aqui desse lado.

Este é um dos melhores momentos para se montar uma posição de longo prazo em ativos brasileiros?

Landers: Acho que estamos em um ponto de inflexão. Olhando para um gráfico do Ibovespa em dólares, de 30 anos, os pontos de inflexão, desde o começo da década de 1980, foram justamente na Diretas Já, impeachment de Fernando Collor, eleição de Lula e o último agora.

Como o senhor tem avaliado o posicionamento dos investidores que, agora, também precisam ser parte cientistas políticos?

Landers: Se tudo ocorrer como está sendo especulado e, no domingo (14), houver a votação a favor do impeachment poderemos começar a desenhar como a economia irá se comportar de uma maneira mais saudável.

Após o desfecho da crise política, o principal vetor para a Bolsa será o debate sobre as reformas?

Landers: Sem dúvida. Vivemos uma situação binária e precisamos ver como as negociações políticas irão terminar e o fato de que alguns partidos menores começaram a pular fora do governo, isso mostra que o impeachment poderá de fato ocorrer. Logo depois, a equipe do eventual presidente Temer será o principal tema.

 

Entrevista concedida ao jornalista Gustavo Kahil em O Financista