Opinião – Elementos da Política

18/05/2016 11:10

”…A ganância e a ânsia pelo poder aumentaram, mas também a extensão e os valores utilitários de sociedades regidas pelo mercado.”

Em seu primeiro pronunciamento após ser intimada de decisão sobre o impeachment, a presidente afastada, após afirmar que já sofrera a “dor indizível da tortura” a “dor aflitiva da doença”, agora sofre, mais uma vez, a “dor inominável da injustiça”. E, no momento, para a presidente, “injustiça” é a dor de perceber que está sendo “vítima de uma farsa jurídica e política”.

Confesso que, por alguns segundos, fiquei consternado com a revelação emocional perante milhões de testemunhas. Refeito pelo puxão de orelhas da lógica, percebi a singeleza das palavras, a vã ingenuidade que não se coaduna com seres que se aventuram pela selva inclemente da política. Bom, mas já foi dito e decantado que a presidente foi alçada à candidata sem haver passado pelo crivo anterior das urnas.

Oh, presidente! Em era de triunfalismo de poder mediado pelo mercado, é proibida a “inominável injustiça”? Em época que admite fornecimento de saúde (planos de saúde), segurança (empresas privadas), proteção ambiental (compra e venda do direito de poluir) e até de eleição (financiamento de campanhas por grandes empresas) a poucos beneficiários, é racional coibir a troca de governantes que descumprem suas promessas ou não se adequam ao jogo político de ocasião?

Tem cabimento os mais ricos ou poderosos usufruírem, simplesmente porque podem pagar ou mandar? Fala-se em injustiça para os que penam horas nas filas dos prontos-socorros, os moradores das periferias e as vítimas de balas perdidas, os candidatos meritórios preteridos pelos eleitos de reputação duvidosa. A ganância e a ânsia pelo poder aumentaram, mas também a extensão e os valores utilitários de sociedades regidas pelo mercado.

Argumentos que denotam essa lógica não faltam. Vão desde o respeito à liberdade individual de idealistas – eleitores ou candidatos – até as intenções dos que se dispõem a entrar na arena política de um presidencialismo de coalizão regido por barganhas nada republicanas. Neste contexto, o poder e a contemplação das exigências dos gladiadores terminam por contribuir para a “governabilidade”, com benefícios para todas as partes.

Resta-nos admitir que a equidade que gostaríamos de ver aplicada a política é raridade em vista da apropriação desse bem por uma grande parcela de políticos cuja estratégia é maximizar seu poder e pecúlio. Prova de que arroubos moralizantes e de autocomiseração circunstanciais em nada alteram o caráter das pessoas e das práticas político-sociais. Nos tristes dias de hoje, só os muito ingênuos desconhecem que a traição e a injustiça são elementos constitutivos banais da política, assim como da vida.

 

Erick-Wilson-Pereira (1)
Por Erick Wilson Pereira é doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP
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