Entrevista – Rubens Barbosa, embaixador e presidente da FIESP

04/07/2016 08:37

Câmbio não é livre em lugar nenhum, diz Rubens Barbosa. Embaixador elogia intervenção do Banco Central, mas afirma que é preciso avançar mais

Passado o susto com a decisão dos britânicos de deixarem a União Europeia, o dólar voltou a recuar em relação ao real. O movimento era reforçado pela sensação dos investidores de que a nova diretoria do Banco Central não iria, mesmo, intervir na taxa de câmbio.Mas o cenário mudou, após o BC vir a campo na manhã desta sexta-feira (1º), realizando a primeira intervenção no mercado de câmbio desde 18 de maio.

O movimento de alta da moeda norte-americana ganhou força ao longo do dia, após as declarações do presidente do BC, Ilan Goldfajn, de que estão abertas as condições, no Brasil e no exterior, para reduzir os estoques de swaps cambiais. Goldfajn reafirmou, contudo, seu compromisso com o regime de câmbio flutuante. Pelo sim, pelo não, o movimento foi interpretado pelo mercado como o estabelecimento de um novo piso para o dólar: R$ 3,20.

Para o embaixador Rubens Barbosa, presidente do conselho superior de comércio exterior da Fiesp, a reação do BC é bem-vinda e necessária, e lembra que a indústria a pedia, há tempos. Embora o câmbio flutuante faça parte do tripé macroeconômico que sustentou a estabilização do país desde o Plano Real, é temerário segui-lo ao pé da risca. “Nenhum país do mundo tem um câmbio totalmente flutuante, livre, hoje em dia”, afirmou. “Todos os países administram suas taxas: Estados Unidos, China…”, acrescentou. Veja, a seguir, os principais trechos da conversa:

Como o senhor avalia a intervenção do BC nesta sexta-feira?

Rubens Barbosa: Ela foi muito importante. Foi positiva e bem-vinda, porque a indústria já pedia, há tempos, alguma reação do Banco Central.

O mercado interpretou a intervenção como o estabelecimento de um novo piso de R$ 3,20 para o câmbio. Esse patamar é bom para a indústria?

Barbosa: Eu acredito que a intervenção não teve o objetivo de estabelecer um novo piso. Acho que o BC agiu para mostrar que está atento ao câmbio. Agora, o novo piso é algo que deve ser discutido mais adiante.

Mas seria o caso de manter o câmbio ao redor de R$ 3,50?

Barbosa: Do ponto de vista dos exportadores, sim. Mas o BC não pode tomar decisões isoladas do mundo. Agora, se o país não criar condições para que as exportações voltem a crescer, a balança comercial será prejudicada. O que estou dizendo é que não se pode pensar na política macroeconômica desvinculada da política industrial e comercial, algo que os economistas brasileiros estão acostumados a fazer. Além disso, nenhum país do mundo tem um câmbio totalmente flutuante, livre, hoje em dia. Todos os países administram suas taxas: Estados Unidos, China…

Para a indústria, é melhor que o BC intervenha no câmbio?

Barbosa: O BC precisa acompanhar o que ocorre no mundo. Há toda essa instabilidade recente dos mercados, e o BC tem todo os dados para avaliar a situação. Agora, do ponto de vista macroeconômico, a queda do dólar ajuda apenas pontualmente, como no caso da importação de feijão. Mas manter os juros elevados, em um cenário de inflação convergindo para a meta e câmbio em queda… isso cria uma situação delicada para alguns setores industriais.

Segundo o último boletim Focus, do BC, a expectativa é de um saldo comercial de US$ 50,76 bilhões neste ano. No atual patamar de câmbio, esse saldo pode cair?

Barbosa: Acho que essa projeção foi feita com um câmbio estimado ao redor de R$ 3,50. A queda do dólar tem um efeito muito negativo para a indústria. Como o Custo Brasil é elevado, muitos setores conseguem ser competitivos na exportação por causa do câmbio. Os empresários com quem converso dizem que, com a taxa entre R$ 3,50 e R$ 3,70, conseguem uma pequena margem nas exportações, mas conseguem. Abaixo desse patamar, há um problema sério, porque a margem acaba. O câmbio não é tudo, mas ajuda.

O saldo comercial pode cair, então?

Barbosa: Os setores que mais se beneficiaram com a alta do dólar, como o têxtil, calçadista, papel e celulose e máquinas e equipamentos, já estão sentindo dificuldades. As importações estão caindo, mas o problema é que as exportações podem crescer num ritmo menor que o atual. Com isso, o saldo pode desacelerar. Desse jeito, não sei se a projeção poderá ser mantida.

 

Por Márcio Juliboni, jornalista e especialista no mercado em O Financista
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