Entrevista – Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central

18/07/2016 13:24

Com uma análise positiva e cautelosa, ex-diretor do BC país começa a retomar o caminho certo, mas não pode relaxar e diz: ”Sem reformas, nem o Papa salva o Brasil.”

Se há algo que não se discute em relação ao governo do presidente em exercício Michel Temer, é a qualidade da nova equipe econômica. Mas não adianta nada escalar um time de craques se a política embolar tudo. “Se o governo não aprovar, no Congresso, o que precisa, você pode ter até o Papa na equipe que não resolve nada”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de política monetária do BC e fundador da Mauá Capital, que gerencia uma carteira de investimentos de R$ 2 bilhões.

Em entrevista, na tarde de quinta-feira (14), Figueiredo afirmou que o Brasil superou o cenário binário do início do ano, voltou ao caminho correto e, agora, o debate é sobre o ritmo das medidas necessárias. E mais: tudo isso, num cenário global de juros baixos ou negativos, o que vai aumentar o apetite dos investidores por ativos mais arriscados – como o Brasil. Mas o país pagará um preço por esse sucesso. “Teremos, sim, um câmbio mais apreciado no curto prazo, quer a gente queira ou não.”

Veja os principais trechos da conversa:

Com o afastamento de Dilma e Temer na Presidência, mesmo que interino, já superamos o cenário binário?

Luiz Fernando Figueiredo: Há um baixo risco de acontecer um acidente que acarretaria um sinistro muito grande. Então, acho que sim. Já saímos do cenário binário. Estamos diante de um governo com uma base grande no Congresso. Um governo que trouxe uma racionalidade muito grande, não só na macroeconomia, mas também na microeconomia. É praticamente uma faxina em tudo o que se fez de errado nos últimos anos. Com isso, estamos saindo de um ciclo vicioso muito dramático para um ciclo virtuoso. Mas, como a gente estava há muito tempo no buraco, vai demorar um pouco para sair. E temos outra questão: antes da aprovação definitiva do impeachment no Senado, o governo não consegue produzir tudo o que pode.

Para você, qual é a chance real de Dilma voltar?

Figueiredo: Para mim, é quase negligenciável. É muito baixa. Muito baixa.

O mercado critica muito as idas e vindas de Temer. Isso é um efeito da interinidade ou a tônica do seu governo?

Figueiredo: A interinidade é chata, porque gera uma certa fragilidade do governo, mas tenho bastante confiança de que é transitória. O governo tem um mês e pouco. Os agentes entendem que dá para esperar outro tanto, até o impeachment. Porque, se a Dilma voltar, vai desarranjar muita coisa. Então, o pessoal prefere esperar um pouco para entrar completamente no barco. Mas eu tenho poucas dúvidas de que o impeachment vai acontecer. O governo, que tem uma base muito expressiva, sabe que essa questão precisa ser superada para consolidar todo seu poder de fogo e avançar em questões mais espinhosas. Falamos muito da reforma da Previdência, mas ela só irá para o Congresso depois disso. A própria questão trabalhista, que hoje é um problema enorme para o Brasil…

Qual é o timing para que Temer comece a apresentar resultados concretos, após o impeachment?

Figueiredo: Isso será um processo. Por exemplo, manda a reforma do teto de gastos, começa a tramitar pelas comissões, até ir para o plenário. O problema é que estamos partindo da estaca zero. Não há uma inércia a nosso favor. As coisas precisam começar a andar, porque são todas relevantes, mas há outras questões pelo caminho: Olimpíada, eleições municipais… tudo isso atrasa a agenda. Então, estamos assim: temos um carro muito bom, mas andando em uma estrada de terra com buracos. Ainda não chegamos ao asfalto. O que todos estão vendo são coisas muito boas. A discussão agora é de velocidade.

O novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que é contra aumentar impostos. O quanto esse aumento é importante para o ajuste fiscal?

Figueiredo: O aumento de impostos não é apenas necessário; eu acho que vai acontecer, porque não dá para não aumentar, infelizmente. Ele é inevitável. É preciso ver que imposto será menos danoso, mas terá que ser feito. O buraco fiscal é muito grande. As reformas estruturais nos garantirão que a economia avance. Mas a velocidade e o ponto de largada em que estamos são muito ruins. Então, mesmo que temporariamente, é necessário aumentar impostos. Só para se ter uma ideia, nos últimos dois anos, perdemos mais de 2 pontos percentuais de arrecadação sobre o PIB. Não é pouco. É claro que uma parte da recomposição de receitas virá do fato de a economia sair da recessão, mas é preciso fazer uma ponte. Eu não acho que, se for completamente necessário, Maia vai se opor. Até porque, o presidente da Câmara não tem tanto poder para dizer o que os deputados vão votar. Ele não pode impor a própria agenda. E ninguém está fazendo isso porque quer; é porque não tem jeito.

O governo terá, efetivamente, força para aprovar a reforma da Previdência?

Figueiredo: Acho que sim, porque a força do governo é crescente. É um governo que começou provisório, num ambiente péssimo. Neste início, já conseguiu aprovar várias coisas para estabilizar a economia. Você já vê todos os índices de confiança melhorando. Você já vê sinais de que estamos saindo do processo recessivo. É possível que, na margem, a economia já cresça no fim deste ano ou começo de 2017. Estamos em um ambiente menos volátil e mais racional. O governo vai gradualmente se firmando. Os nomes da área econômica são de primeiríssima qualidade. Então, a base vai se consolidando.

Com Meirelles na Fazenda e Ilan no BC, você vê juros mais baixos no longo prazo?

Figueiredo: Disse que essa equipe é de primeiríssima categoria, mas, se o governo não aprovar, no Congresso, o que precisa, você pode ter até o Papa na equipe, que não resolve nada. Não adianta. A equipe econômica é uma parte importante do processo, mas o condão mágico é a aprovação dessa agenda de reformas.

O Luiz Cezar Fernandes, fundador do Garantia, disse que o risco de todos acharem que a equipe é boa é relaxarem e não aprovarem nada no Congresso. Por isso, tem de manter a pressão…

Figueiredo: E ele tem toda a razão. Vamos lembrar do Levy. Ele também trouxe uma equipe muito boa. Ele lutou muito. Tinha um diagnóstico errado? Não. Mas o governo que ele integrou não tinha capacidade política para implementar as medidas. Ele morreu na praia. Então, isso é muito relevante.

Como você avalia a gestão do câmbio, nestes primeiros dias da nova diretoria do BC? Os empresários, por exemplo, já reclamam que o dólar caiu muito. 

Figueiredo: O câmbio nunca é causa de nada. Ele é consequência. Como o Brasil piorou demais, mantém juros altíssimos num mundo em que as taxas são nulas ou negativas. Quase 50% dos ativos em todo o mundo pagam juros negativos, o que é uma coisa maluca, mas é a realidade. Então, quando se tem um país com uma solidez externa muito grande, como o Brasil, e que passou a andar na direção correta, mas com este nível de juros, é natural que venha um grande volume de recursos para cá. E é natural que a taxa de câmbio aprecie, mesmo que temporariamente. O que o BC está fazendo? Diariamente, recomprando os swaps. E o dólar tem apreciado. Então, você não consegue atuar numa velocidade que impeça uma apreciação relevante do real, porque há medidas que precisam ser aprovadas para permitir baixar os juros. Esse processo é muito longo. O nosso sucesso vai trazer, sim, uma taxa de câmbio mais apreciada no curto prazo, quer a gente queira ou não.

Há quem diga que a atuação do BC determinou um novo piso informal para o câmbio, de R$ 3,20. Você concorda?

Figueiredo: Não. Eu acho que, diferentemente do que a antiga gestão do BC fez (estabelecer um piso informal de R$ 3,50), a nova diretoria está recuperando a liberdade de flutuação da taxa de câmbio. Isso é muito correto. Mesmo que você tenha que, por algum tempo, pagar uma taxa mais apreciada.

O câmbio pode ir a quanto?

Figueiredo: Por volta de R$ 3,00… eventualmente, abaixo de R$ 3,00…

A Bolsa engatou sete altas seguidas nesta semana. O mercado sente que está na hora de comprar ações brasileiras?

Figueiredo: O mundo está bull market [comprador]. O que se entendeu, após o Brexit, é que viveremos num mundo de juros baixos por muito mais tempo do que se esperava, inclusive nos Estados Unidos. Então, o mercado de renda variável melhorou muito. As bolsas subiram muito em todo o mundo. As curvas de juros caíram bastante. Países como o Brasil, com um prêmio maior de risco, se beneficiaram. A Bolsa está neste contexto. Dito isso, até um mês atrás, ainda estávamos muito no começo do novo governo. Havia muita pressão da Lava Jato, muita dúvida sobre se Temer teria capacidade de governar. Devargarzinho, essa dúvida está acabando. Então, temos esse ambiente mundial, que é um pano de fundo muito relevante, e o Brasil que está com uma cara muito mais normal do que no começo do ano.

Diante desse cenário, a Mauá mudou a alocação de capital?

Figueiredo: Sem dúvida. Hoje, a gente tem um posicionamento inclinado para um ciclo que, mesmo lento, será mais virtuoso. E, segundo, nós já sentimos um interesse muito grande dos estrangeiros para alocar capital no Brasil. O fluxo de estrangeiros na Bolsa, por exemplo, tem sido positivo todos os dias, pelo menos, neste mês. Há muito interesse por ativos como imóveis e infraestrutura. Já há muita gente posicionada, mas ainda tem muita coisa para acontecer.

Mas, na prática, vocês colocaram dinheiro onde?

Figueiredo: Não divulgamos esse dado, mas dá para dizer que estamos procurando aqueles ativos que ainda têm um prêmio de risco muito elevado em relação ao que avaliamos.

Depois da Lava Jato, que envolveu os principais presidenciáveis, e de Temer dizer que não pretende disputar, há espaço para ascensão de uma terceira pessoa em 2018? Marina Silva, por exemplo?

Figueiredo: Marina Silva é uma possibilidade concreta e não é pequena. Acho que, se tivermos uma economia mais arrumada em 2018, e este parece ser o cenário mais provável, ficará mais difícil aparecer alguém do nada e ganhar a eleição. Quanto mais a gente vir que o país está na direção correta, mais teremos tranquilidade de votar nas pessoas que estão aí. E há vários candidatos já. Um outsider, que saiu do nada, terá muito mais dificuldade nesse cenário.

 

Por Márcio Juliboni em O Financista