27/07/2016 13:38
”Na verdade, para editar a CLT, Vargas reprimiu duramente os sindicatos mais combativos que existiam à época e, por meio de um processo de morde e assopra…”
Em excelente artigo publicado há pouco, César Benjamim deixa de lado a bizarra discussão sobre “golpe” no afastamento de Dilma Rousseff e mostra, a meu ver com precisão, que, se golpe houver, este só se configurará como tal pelo que vier a ser feito pelo governo Temer. Nesse sentido, O TEMPO vem fazendo ótima cobertura sobre o que este anda planejando no campo das relações trabalhistas.
Não sou e nunca fui uma adoradora da velha CLT varguista. Estudei tudo quanto consegui e que fora escrito sobre esse tema nos anos 70 e 80 até chegar a conclusões muito distintas daquelas vulgarmente divulgadas. Se Getúlio merecesse ter sido chamado de “pai dos pobres”, com muito maior razão ele foi “mãe dos ricos”. A insistente crítica que o PT fazia à lenda do sindicalismo, baseado em tutela estatal e sustentado pelo antigo imposto, hoje contribuição sindical, foi uma das razões pelas quais militei e tanto lutei no partido.
Na verdade, para editar a CLT, Vargas reprimiu duramente os sindicatos mais combativos que existiam à época e, por meio de um processo de “morde e assopra”, foi implantando para todos os trabalhadores urbanos (os rurais só muito tempo depois tiveram qualquer direito reconhecido) aqueles direitos que sindicatos mais atuantes da época, como os marítimos, já tinham desde os anos 20. Nesse processo, o ditador chegou a expulsar do país conhecidos militantes anarquistas, comunistas e até trotskistas. E, para cada direito que reconhecia, impunha uma exigência repudiada pelas lideranças mais bem informadas.
Vou dar um exemplo: nos anos 20, Pupo Nogueira, da direção de uma entidade empresarial em São Paulo, conseguiu realizar em Sorocaba o levantamento de líderes sindicais atuantes e organizou uma “lista negra”, entregue a todos os empresários. Assim, identificava-se com antecedência quem poderia vir a fazer “agitação” nas fábricas. Quando Getúlio implantou a carteira de trabalho, esta foi imediatamente considerada uma oficialização das “listas negras”, por causa da anotação dos dados do possuidor do documento. Alguns sindicatos passaram a rejeitar que seus filiados fizessem a carteira. Getúlio rebateu, estabelecendo que só teria direito a reclamar na Justiça do Trabalho o empregado que tivesse carteira anotada. Isso é o que chamo “processo de morde e assopra”. E Getúlio foi, então, impondo suas ideias, na verdade medidas que induziam fortemente o processo de industrialização no país. Disciplinou o operário e fez as grandes obras de infraestrutura, realizando para os empresários o que estes jamais fariam, pois esse tipo de investimento não dá retorno com a velocidade com que o capitalista quer ter seu lucro no bolso.
Por último, veio a adoção de um “salário mínimo”, que acabou sendo um achatamento salarial porque, para o cálculo, seu governo incluiu a remuneração do trabalhador rural, o que rebaixou a média já obtida por certas categorias nas cidades.
Ao que parece, Temer quer ir mais além.
Por Sandra Starling - artigo publicado originalmente em O Tempo