13/09/2016 12:56
”E hoje, 15 anos depois, por causa desse homem e sua estupidez nefasta, estamos perdidos nessa briga de foice em quarto escuro.”
Anteontem, o mundo mudou para sempre. Há 15 anos. Isso.
No filme “Godzilla”, há uma imagem da rua por onde multidões fugiam do grande monstro. É a mesma rua que vimos depois, sob a nuvem de pó dos prédios caindo no 11 de setembro. Já era a previsão do que aconteceria em 2001.
Osama usou o Ocidente contra si. Melhor que os filmes-catástrofes que o inspiraram, Osama inventou o espetáculo como arma.
O terrorista inventou o “cinema do terror”. Isso. Vejam seu legado cinematográfico: o EI decapita os infiéis em fila bem-enquadrada, vestidinhos, rostos cobertos, com botas amarelas e macacão azul, todos chiquérrimos, como num filme. Daí para frente todos os atentados foram cinematográficos: ataque em Nice, Áustria, Londres, Paris metralhada por sua beleza…
Osama mudou o mundo com as armas do ocidente – os aviões transformados em mísseis contra o WTC. Osama inaugurou a “Época da Normalidade Perdida”, como nomeou Martin Amis, e nos legou a imagem das torres caindo por toda a eternidade; ele fez a mise-en-scène de um importante momento histórico, como a queda da Bastilha, o fim do Império Romano, sei lá.
Passaram-se 15 anos, e o mundo só piorou. A disseminação dos horrores nos faz sentir que algo mais terrível pode acontecer. Estamos num tempo em que se enterram vivas crianças pelo Boko Haram, em que um porco como o ditador da Coreia do Norte já tem mísseis, um mundo em que um rato psicótico como o Trump pode ser candidato a presidente. Tudo isso ameaça as amarras, as traves que sustentavam a estrutura da nossa vida social. “O mundo está fora do eixo”, declarou Hamlet. Pois está.
Estamos vivendo um suspense histórico, com trágicos conflitos descentralizados no mundo todo.
Como isso começou? Alguma coisa ou alguém deflagrou este tempo.
Foi o George W. Bush, nossa besta do apocalipse.
É impressionante como ninguém fala mais do Bush. Ele é culpado por tudo que acontece no mundo atual, e ninguém fala nele.
Começou com a absurda invasão no Iraque em 2003. Qualquer ser pensante sabia que seria um erro tão grave quanto, digamos, atacar o México por causa do bombardeio a Pearl Harbour, como disse o Kerry.
Mas, aconselhado por seu vice-papai Dick Cheney, Bush resolveu mentir que o Iraque teria “armas de destruição em massa”. Todo mundo sabia que não tinha; só havia interesses de Cheney por petróleo e outras jogadas. E Bush virou o “presidente de guerra” comandando a paranoia americana; invadiu o Iraque e derrubou o Saddam (um canalha, sem dúvida), mas que ainda era o único a refrear os jihadistas. A partir daí, os homens-bomba floresceram como papoulas, iniciando a série de atentados em Espanha, Inglaterra, Índia, Bali, Boston e outros que vieram e virão. O criminoso Bush (esse pré-Trump) devia ser julgado pelo dano que fez ao mundo, mentindo, matando 50 mil jovens e quebrando o país, com trilhões em gastos de guerra.
Foi o pior presidente norte-americano de todos os tempos, ignorante, alcoólatra e mau estudante, coisa de que se orgulhava. Até que um dia, para seu azar e sorte, o Osama derrubou as torres gêmeas e deflorou os Estados Unidos, nunca atacados dentro de casa. Além de estimular a crise da economia, o ataque de 11/9 acabou com a fama de infalibilidade dos EUA. Acabou com a ideia de solução, com a ideia de vitória, impossível diante de inimigos sem rosto.
De uma forma repugnante, a verdade do mundo atual apareceu. Estão irrompendo todas as misérias do planeta para além do circuito Helena Rubinstein: uma religião da vingança e da morte, formada pela ignorância milenar de desgraçados no deserto, sofrendo com imensa inveja das conquistas do Ocidente.
Não me esqueço da cara do Bush em 11/9, quando lhe contaram a tragédia, em uma palestra para um colégio. A cara do Bush foi de gesso, paralisada, sem uma rala emoção, sob o olhar das criancinhas em volta. A partir daí, a América quis vingança, e Bush iniciou uma linha reta de erros para um futuro apavorante. Foi nessa época que a direita republicana mais degenerada começou a se articular.
Osama nos jogou numa era pré-política, em busca de algum “futuro”, mas os islâmicos já chegaram lá, já vivem na eternidade. Suas multidões jazem na miséria, conformadas, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano que os libertou da dúvida. Sua obediência ao Corão lhes ensina tudo, desde como cortar as unhas até como matar “cães infiéis”. Como disse o mulah Muhamed Omar, com desdém: “Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver…”.
Se Bush não tivesse invadido o Iraque, o mundo seria outro. Mas o “se” não existe na História. Foi o que foi.
Osama morava fora da História, contemplando-a com ódio e fascinação lá da eternidade desértica de sua terra. Osama desmoralizou nossas ilusões de continuidade, de lógica, de finalidade. E nos trouxe a morte, atacando feito cachorro louco.
Osama atacou a contemporaneidade com um estilo bem “contemporâneo”. Ele trouxe o “intempestivo” para o início do século XXI, que, achávamos, seria confortável, seguro, controlável.
Por outro lado, Bush continuou sua trajetória de boçalidade e cumpriu todos os desejos de Osama, como um lugar-tenente burro. Tudo que o terrorista queria Bush fez. Essa invasão absurda estimulou o terror.
Osama morreu, mas sua obra foi bem-sucedida. Ele semeou o terrorismo, e Bush legitimou-o para sempre. Bush veio para acabar com todas as conquistas liberais dos anos 60. Só faltava um pretexto; Osama deu-o.
Mais tarde, Obama conseguiu matar o Osama. No entanto, a morte de Osama no Paquistão indispôs mais o Oriente Médio contra nós e fragilizou a liderança dos Estados Unidos como potência.
Daí, Irã, Egito, Líbia, guerra da Síria contra seu povo, apoiada, claro, pela China e (oba!) pela Rússia da KGB. E hoje, 15 anos depois, por causa desse homem e sua estupidez nefasta, estamos perdidos nessa briga de foice em quarto escuro.
Por Arnaldo Jabor