Opinião – A guerra dos mundos

14/05/2017 11:51

A balança comercial não é o assunto mais importante na conversa entre Xi Jinping e Donald Trump

A linguagem corporal é o que há de mais revelador la comunicação humana. Antes do ataque à Síria, pelos olhos entreabertos do presidente dos EUA, Donald Trump, e os geneticamente puxados do líder chinês, Xi Jinping, acontece a batalha mais importante do momento. A batalha já não é ideológica. Nem racial. Já não é sobre as armas. Agora, ela consiste no domínio tecnológico e nas regras que devem se impor no jogo.

A última reunião entre os presidentes em Mar-a-Lago, a luxuosa cada de Trump na Florida, com seus campos de golfe e incluindo os gastos que significam uma viagem da Casa Branca até Palm Beach, não disfarçou nem ocultou a verdade do diálogo profundo entre os dois líderes, que envolveu desde o déficit comercial e a futura relação entre os dois países até o programa nuclear norte-coreano.

Não é preciso ser um gênio para compreender que Trump, um especialista na arte de fazer as coisas pela metade, quer fazer com a China o mesmo que fez com os bancos que cometeram o erro de emprestar dinheiro a ele: dar a menor contrapartida possível. O Governo chinês é o maior credor da dívida pública dos Estados Unidos. Por isso, se o império do Norte quebra, o gigante asiático, também.

Neste contexto, Trump, que é um homem à moda antiga, movido pelo instinto e não pelo conhecimento, ainda não entendeu que o poder moderno não se baseia apenas na força e no dinheiro, mas sim no controle do software. A China já deu seu grande passo à frente, já não é mais um país de escravo, deixou de ser um país de fábricas para ser um país de inteligência. E usou o dinheiro que ganhou para uma coisa boa – criar no Ocidente grandes necessidades de consumo – e uma ruim, imitar sua enorme capacidade de corrupção para ajudá-lo a corromper-se mais e melhor.

Deng Xiaoping escapou da grande matança da Revolução Cultural quando desenvolveu um plano perfeito para fazer da República Popular da China a primeira potência que balançaria o mundo. Ele teve o cuidado de estudar as melhores práticas do Ocidente e, além disso, pôde ver como o mundo ocidental se prostituía e a como a luxúria e a cobiça sem limites influenciavam os auditores para roubar dos incautos acionistas. Aprendeu a parte boa e a ruim do capitalismo. A China tem um problema estrutural, não é uma democracia, mas transformou-se no maior calcanhar de Aquiles do império do Norte.

A terceira ponta da discórdia, Vladimir Putin, conseguiu por meio de seus hackers e da tecnologia colocar em apuros a máquina política estadunidense. Nesse caso, há um grande problema e uma grande vantagem. A questão é que o poderio tecnológico chinês não está nas mãos de representantes do mundo livre, porque está a serviço do Governo.

Enquanto isso, nos EUA quem controla o mundo moderno, como os Zuckerberg e os Gates, tomam conta da própria vida, e o fato de trabalharem usando tênis e de não terem se enveredado pela política acabou originando grandes fortunas sem um projeto social ou político, dando origem a um mercado em que é possível hackear e destruir, não apenas impondo quem será o presidente dos Estados Unidos, mas também controlando todo seu software.

Com certeza, nos séculos XVIII, XIX e XX a democracia era um sistema melhor e mais estável. Mas agora, no século XXI, em que Star wars começa a parecer um conto dos irmãos Grimm, o controle do Estado sobre o poder tecnológico é a única garantia de estabilidade do sistema. E, atualmente, o Ocidente tem uma desvantagem contra o Oriente porque tanto a China com sua estrutura, quanto a Rússia com sua ambição, dominam todos os centros de poder tecnológicos, enquanto os Estados Unidos dominam apenas a parte competitiva do mercado, podendo ser anulado, prostituído e vencido pelas deficiências de sua estrutura estatal.

A balança comercial não é o assunto mais importante na conversa entre Xi Jinping e Donald Trump. O importante é compreender e aceitar por que o século XX chegou viajando pelo Atlântico e o XXI está indo pelo Pacífico.

 

Por Antonio Navalón para o portal Brasil El País

 

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