Opinião – Atentado público ao pudor

15/04/2017 16:39

”Espera-se que a fatia ética da Câmara dos Deputados reaja e barre a tentativa de esbulhar o direito de escolha direta assegurado na Constituição.”

O artigo 233 do Código Penal determina: “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: pena, detenção de três meses a um ano, ou multa, de mil a três mil reais” (em moeda atualizada). Obsceno, segundo os dicionários, é o cometido de forma atentatória ao pudor, à decência, à honestidade, sendo possível de maneira dissimulada ou às escondidas.

Na conhecida figura delituosa poderiam ser indiciados os autores da proposta de votação em lista fechada, dos candidatos à Câmara dos Deputados. Trata-se do ultraje ao pudor público previsto pela legislação penal, arquitetado ardilosamente contra o livre direito de voto de cidadãos de vida honesta e de bons costumes, ameaçados por inescrupulosos parlamentares cuja preocupação reside na reeleição em 2018.

Além de imoral a iniciativa fere o artigo 14 da Constituição, cujo texto prevê o sufrágio universal e o voto direto e secreto de igual valor para todos, como instrumento de exercício da soberania popular. Voto em lista é voto impessoal e indireto. Dirige-se a coletivo formado por candidatos que o partido escolhe e impõe, mesmo sem que ocorra, entre eles, afinidades políticas ou ideológicas. Os primeiros lugares serão destinados aos deputados no exercício do mandato. Os estreantes, independente da qualidade e merecimento, irão para o final do “chapão”, com poucaas chances de serem eleitos. Lista fechada permitirá antecipar os resultados e a futura composição da Câmara e das Assembleias. Quem correr perigo de não voltar, disputará a tapas uma das primeiras posições.

A simplicidade para criar legendas contribui para tornarem-se os partidos semelhantes a casas de tolerância ou hotéis de alta rotatividade, onde clientes entram e saem após estarem atendidos. Não há compromisso de permanência, salvo do reduzido grupo explorador do negócio.

O povo cansou-se de ser ignorado e iludido. Já não suporta manobras urdidas sorrateiramente e destinadas a beneficiar privilegiados. Estamos diante de típico atentado ao pudor público. Espera-se que a fatia ética da Câmara dos Deputados reaja e barre a tentativa de esbulhar o direito de escolha direta assegurado na Constituição.

 

 

Por Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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