02/05/2017 11:28
Polícia de fronteira dos EUA permitiu que a cerca fronteiriça com Tijuana (México) fosse aberta durante alguns minutos para que as famílias separadas pudessem se abraçar
No 101º. dia de mandato de Donald Trump, a construção do muro não começou, como havia prometido o presidente. Ao invés disso, ele se abriu um pouquinho – apenas uma pequena porta, fechada com uma cancela cheia de ferrugem, que fica bem no extremo ocidental da fronteira entre os Estados Unidos e o México, poucos metros antes de a cerca metálica mergulhar no oceano Pacífico, separando San Diego de Tijuana. Famílias divididas pela fronteira fizeram algo impensável: se deram um abraço.
Lá, Jeanette Lorenzo, de 31 anos, envolveu sua mãe em seus braços, justamente em cima da linha fronteiriça. Era a primeira vez que se abraçavam em sete anos. Agentes da polícia de imigração vigiavam a cena, para que os pés mexicanos não entrassem no lado dos Estados Unidos, e vice-versa. Uma nuvem de câmeras de televisão as observava a pouca distância. Não falaram muito, apenas se amavam. Choraram. Tudo durou três minutos. Um abraço de três minutos depois de sete anos. “Foi difícil soltá-la quando me disseram que já era a hora. Pareceu meio minuto. Queria lhe dizer muitas coisas, e abraçá-la e não soltá-la”, contou Lorenzo mais tarde.
A família dela bem poderia ser a de milhares de pessoas no sul da Califórnia que estão separadas pela cerca fronteiriça. Os de um lado não têm papéis, e os do outro não podem cruzar. Há 22 anos, seus pais entraram ilegalmente na Califórnia com quatro filhos. Ela está protegida contra a deportação pelo programa DACA, com o qual Barack Obama concedeu certo status aos imigrantes sem papéis que chegaram quando eram menores de idade. Mas se sair do país não tem garantia de que poderá voltar. E sua mãe, Reina, foi deportada e não pode regressar aos EUA. Está retida em Tijuana, com toda a sua família na Califórnia. “O mais difícil de estar aqui é estar sem meus filhos”, dizia, através da cerca fronteiriça, onde falou com Jeanette durante horas na manhã de domingo.
O lugar é uma zona de segurança entre as duas cercas instaladas do lado norte-americano, separadas por 20 metros. Nos fins de semana, pelas manhãs, os visitantes do parque podem ultrapassar a primeira cerca e se aproximar da segunda, a fim de conversar com quem está no Parque da Amizade de Tijuana. Essa segunda cerca, a que está exatamente sobre a fronteira, está rodeada por uma fornida grade com buracos que mal deixam passar um dedo mindinho. As pessoas de um lado só podem roçar a ponta dos dedos de quem está do outro. Do lado norte-americano, a grade é cinza. Quando se abre a porta, vê-se um coração pintado do lado mexicano.
Jeanette Fernández vive em Chula Vista, a poucos quilômetros da cerca, “mas é como se morasse em Nova York”. Só pode ver seu pai, Javier, neste parque nos fins de semana e através da grade. Não é muito diferente de uma visita à prisão. É a segunda vez que ela faz isto. Neste domingo, abraçou seu pai pela primeira vez em 10 anos.
Essa abertura momentânea de uma porta na cerca se realiza graças a um acordo entre a polícia fronteiriça e uma ONG local de San Diego, chamada Border Angels. Enrique Morones, diretor da organização Border Angels (Anjos da Fronteira), explica que a origem do evento é sua boa relação com o chefe da Patrulha Fronteiriça no setor de San Diego. Três anos atrás, fizeram um acordo para abrir aquela porta pela primeira vez. Foram dois minutos. Neste domingo, participaram seis famílias e a porta ficou aberta por mais de 20 minutos. Começaram fazendo só no dia das crianças do México (30 de abril) e agora acreditam poder fazê-lo também no dia internacional das crianças, em novembro. Já são duas vezes por ano. Esta é a quinta vez em três anos. “Pouco a pouco. Meu objetivo é que acabemos fazendo-o todos os fins de semana”, diz Morones.
Morones confia no poder da imagem. Esses abraços em terra de ninguém são de apertar o coração, não é preciso saber nada de política migratória. São imagens que correram o mundo. Um evento parecido já foi realizado no Texas e outro está sendo preparado no Arizona, diz Morones. “Essa imagem precisa chegar a Washington”. Também em tempos de Trump. “Não importa quem seja o presidente. A imagem deve ser vista por quem tem o poder de votar uma reforma migratória. Como é possível que uma menina nunca tenha abraçado o seu pai?”. A imagem chegará a Washington, com certeza. O que não se sabe é se provocará essa reforma legal, ou um tuíte.
Da Redação com informações da assessoria de San Diego, EUA, para o Brasil El País