Diretas ou Indiretas – Saiba quais e de quem são os interesses de cada modelo de eleição

29/05/2017 20:32

Minoria no Congresso, esquerda tenta fortalecer com nomes além de Lula. PMDB e PSDB tem interesse que Parlamento eleja candidatos que possam concluir reformas de Temer

Em Brasília, diante da crise política do Governo Michel Temer, cada lado trabalha para emplacar o cenário no qual pode ter mais vantagens. Enquanto a oposição ao Governo se articula nos bastidores para costurar a sucessão via eleições diretas, os governistas, incluindo o PSDB, se organizam para emplacar um próximo nome via eleições indiretas. Se o segundo lado tem a força política, com a maioria no Congresso capaz de garantir que sua vontade seja feita, o primeiro quer acordar as ruas, e começa a se mobilizar pelo grito de “Diretas Já”. Mas quais são os cenários por trás de cada posição?

Reunidos em uma frente única, que pede a saída imediata do presidente e eleições diretas, estão seis partidos, que em várias votações recentes atuaram em campos opostos: PT, PSOL, Rede, PDT, PSB e PCdoB tentam aprovar de forma relâmpago uma mudança constitucional que permita, caso Temer caia, que seu sucessor seja decidido por voto popular. Atualmente, a Constituição prevê que caso a vacância do cargo de presidente e vice-presidente aconteça nos dois últimos anos do mandato, as eleições sejam feitas pelo colégio eleitoral (513 deputados e 81 senadores).

Atualmente, duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que pretendem mudar isso tramitam no Congresso. Uma, na Câmara, quer que haja eleições diretas quando a vacância ocorre até seis meses antes do final do mandato e está sendo obstruída pelos governistas. A segunda, mais próxima da votação no Plenário, está no Senado, e permite eleições diretas nos três primeiros anos do mandato vago -este cenário, entretanto, só valeria para Temer se ele saísse ainda neste ano, algo difícil caso a queda se dê por um processo de impeachment, mais longo. Em ambos os casos, o eleito cumpriria um mandato-tampão até as eleições de 2018. Na PEC do Senado ainda há uma regra que prevê que, se aprovada, ela seria imediatamente válida, limando a necessidade de que se espere um ano para a aplicação da mudança, como prevê atualmente a legislação eleitoral.

Qualquer um dos dois cenários dificilmente prosperará no Congresso no cenário atual. Os parlamentares que preferem eleições diretas formam uma minoria e perdem para partidos que sabem que seus nomes têm muito mais chances de chegar à Presidência se escolhidos pelos próprios parlamentares. A situação só muda, afirma a própria oposição, se a pressão das ruas for grande. Por isso, eles articulam protestos como o da última quarta-feira, com as centrais sindicais, que acabou em violência na Esplanada dos Ministérios, e o deste domingo, no Rio, que deve ter artistas como Caetano Veloso. Uma versão artística igual está sendo planejada para São Paulo nos próximos dias, conta Ivan Valente, deputado pelo PSOL. “O que vale é a opinião pública e as pressões das ruas”, acredita ele.

Mas se as chamadas forças progressistas do Congresso concordam diante destas bandeiras iniciais, dificilmente elas se unirão para apoiar um único candidato. “Como seria uma eleição sem palanques estaduais [e, por isso, sem a necessidade de alianças locais entre partidos] é natural que o cenário seja o de uma eleição pulverizada, com candidatos de vários campos”, explica o deputado Alessandro Molon (Rede).

No PSOL, o nome a ser levado aos eleitores poderia ser o do deputado Chico Alencar, o quarto deputado federal mais votado no Rio de Janeiro em 2014 (com 195.000 votos). Alencar já manifestou nos bastidores que não gostaria mais de disputar mandatos parlamentares. Mas nos bastidores também se afirma que o partido pondera internamente se nomes vindos do movimento social poderiam ter mais chances neste momento. Neste caso, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) poderia ser uma opção, mas suas chances seriam menores no caso de uma disputa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem a preferência dos movimentos sociais, mesmo segmento que impulsionaria as chances de Boulos.

A Rede tem o nome sempre forte de Marina Silva, terceira candidata mais votada nas eleições presidenciais de 2014, e a única dentre os mais bem votados naquela eleição que não teve sua imagem abalada -Dilma Rousseff (PT), a vencedora, sofreu impeachment, e Aécio Neves (PSDB) viu suas possibilidades implodirem ao ser atingido pela Lava Jato. Mas há setores da Rede que ponderam se lançar um nome forte como o dela para um mandato-tampão não seria um desperdício, já que, mesmo se considerando uma posterior reeleição, a duração total do mandato seria de cinco e não de oito anos. Por isso, o senador Randolfe Rodrigues (Rede) já planeja apresentar uma emenda à PEC que tramita no Senado, antecipando as eleições presidenciais de 2018. “Isso libera o cenário para todos os nomes”, explica ele.

A mesma ponderação fazem alguns setores do PT, em relação ao presidente Lula, apesar de isso não ser assumido oficialmente. Dentro dos partidos da base progressista, hoje unida, há quem veja o partido com desconfiança. Para alguns, o PT se beneficiaria mais se o Governo Temer se arrastasse na crise, garantindo um cenário propício para a volta de Lula, como um salvador, em 2018. Há um fator a se ponderar, entretanto: Lula é réu na primeira instância em cinco ações por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro e, a depender do ritmo das investigações, poderá se tornar inelegível até as próximas eleições presidenciais do ano que vem. Por isso, a antecipação das eleições também poderiam beneficiá-lo, pois diminuiria o tempo para qualquer condenação tirá-lo da disputa.

Publicamente, entretanto, nada disso é levantado pelo partido. “Nós não estamos apresentando [a PEC da eleição direta] vinculando claramente ao Lula. Agora o Lula pode ser candidato do mandato-tampão e ser reeleito. Lula está preocupado, e a gente também, em tirar o país desta crise”, afirma o senador Lindbergh Farias (PT). A senadora Gleisi Hoffmann (PT), que também afirma ter preferência pela antecipação de eleições, diz que o partido ainda não discutiu os nomes. “Achamos que é importante ter eleições diretas. O presidente Lula, como ele mesmo disse, quer ajudar o Brasil. Ele vai fazer o que for preciso para isso. Não pensa só na questão da vantagem eleitoral. Mas não chegamos a discutir se ele sai ou não sai [candidato]”, ressalta.

No último protesto dos sindicalistas da última quarta-feira, entretanto, o pedido de eleição direta para presidente tinha um claro beneficiário: Lula. Pelas ruas, centenas de pessoas vestiam camisetas com a foto do petista e os dizeres: “O cara ‘tá’ voltando”. Enquanto isso, em ao menos cinco dos 12 carros de som que seguiram o protesto, os locutores dirigiam palavras de ordem contra Temer e Henrique Meirelles, o ministro da Fazenda apontado pelos militantes como o candidato do mercado financeiro e da grande mídia brasileira. “Os ricos querem as eleições indiretas porque querem eleger o banqueiro Henrique Meirelles para a presidência. É a continuação dos ataques aos trabalhadores. Não podemos permitir isso”, discursava um dos diversos sindicalistas que se revezaram ao microfone na passeata.

A saída Lula é, de fato, a principal, ou a única, possibilidade de o PT retomar o poder em um curto prazo. A esperança petista resume-se principalmente nas últimas pesquisas. O ex-presidente lidera a corrida eleitoral nos quatro cenários pesquisados pelo Datafolha no qual ele é o nome petista para a presidência. E esse é justamente o fator que faz com que as forças mais conservadoras da sociedade repudiem a ideia de “Diretas Já”. Creditam a tentativa da oposição de mudar a Constituição a uma manobra para que Lula volte ao poder. “A bandeira das eleições diretas não é uma bandeira do PT. É uma bandeira de amplos setores da sociedade que acreditam que este Congresso corrompido não tem condições de conduzir um processo eleitoral”, ressalta Ivan Valente.

Indiretas e possíveis nomes

No mesmo momento em que os debates sobre eleição direta caminham a passos lentos, nos bastidores do Congresso Nacional crescem as discussões sobre um eventual substituto de Michel Temer. A bolsa de apostas cresce a cada dia e, depois de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aparecer como favorito, outro nome que cresce é o do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Presidente interino dos tucanos, Jereissati é bem aceito no Senado, mas não tem tanto apoio na Câmara. Ele nega pretensões em substituir Temer e sabe que tem dificuldades em apresentar sua candidatura. Os deputados, que são a maioria dos eleitores (513 dos 594 do colégio eleitoral), querem eleger um dos seus para a função. Outro nome do PSDB levantado é o de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, o maior Estado do país. Aventam-se, ainda, a possibilidade de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, além dos senadores Armando Monteiro (PTB-PE) e Ronaldo Caiado (DEM-GO). Em comum entre todos eles, seria o perfil reformista, ou seja, levariam a cabo as votações que ainda faltam para a reforma trabalhista, além da reforma da Previdência. A oposição alfineta, também, que são todos nomes que jamais seriam eleitos diretamente por não estarem alinhados a interesses populares, e sim mais ligados a demandas empresariais.

Se a eleição for indireta, dificilmente Lula será candidato, apesar de as atuais regras o autorizarem. Isso porque suas chances de vitória, em um Congresso majoritariamente de oposição a ele neste momento, seriam muito pequenas. As legendas de esquerda ainda discutem o que podem fazer neste cenário eleitoral, mas a tendência tanto no PSOL quanto na Rede é que as legendas se retirem da votação em protesto, para passar o recado de que não legitimam o colégio eleitoral. Gilberto Carvalho, ex-ministro petista e nome bastante ligado a Lula, afirmou em uma entrevista na GloboNews nesta quinta-feira que o PT pode seguir pelo mesmo caminho.

 

Por Afonso Benites e Talita Bedinelli para o Brasil El País