23/03/2018 14:59
”A ignorância, de rigor, é a grande arma de que o populismo se serve para conquistar o poder. Mas o líder populista é um despreparado para exercê-lo (…) promove retrocesso e corrupção.”
Os recentes atos de vandalismo provocados por movimentos que sempre se manifestam promovendo a baderna, destruição de bens públicos e privados – pois são notórios violadores da lei e da ordem, a título de impor o que entendem ser ideal para o País, ou seja, a “república do caos” – deixaram um saldo negativo para a imagem do Brasil, com incêndios e depredações de ministérios, em Brasília.
É de lembrar que o ex-presidente Lula pediu aos autoconfessados delinquentes de colarinho branco da JBS dinheiro para financiar a ida à capital federal de invasores de terras (MST), transportados em 60 ônibus, com outros violadores da ordem. Onde conseguiram dinheiro para tudo isso é questão que deve ser averiguada. Provocaram uma desordem não contida pela Polícia Militar do Distrito Federal e que só foi possível debelar quando o presidente da República chamou as Forças Armadas a intervir, como determina a Constituição.
A imprensa, não versada no Direito Constitucional, e os políticos de esquerda, que chamaram os agressores de bens públicos de “companheiros mascarados”, enxergaram no ato uma violação à ordem democrática. Ora, agiu o presidente da República rigorosamente como deveria, não se omitindo na preservação da ordem e da lei, pois a Constituição permite o uso das Forças Armadas em tais circunstâncias.
O artigo 142 da Carta Magna, caput, tem a seguinte redação: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
São três, portanto, as suas funções, a saber: 1) garantir a defesa da Pátria, 2) garantir os Poderes constituídos e 3) a pedido de quaisquer deles (Poderes constituídos) assegurar o cumprimento da lei e da ordem.
Em outras palavras, o Título V da Lei Suprema, destinado a assegurar o Estado Democrático de Direito nas crises externas ou internas – que nós, os constitucionalistas, denominamos “Regime Constitucional das crises” –, constituído de nove artigos (136 a 144), dá às Forças Armadas (142 a 143) e às forças de segurança pública (144) tais funções, que podem ser exercidas em crises internas invocando o “estado de defesa” (crise localizada) ou de “sítio” (generalizada), para evitar que a ordem seja tisnada.
Ora, os baderneiros – que não entendem que na democracia todas as manifestações populares são válidas desde que sem violência – produziram caos impossível de ser controlado pela Polícia Militar, primeira linha de defesa da ordem pública e da paz social. Sua ineficiência causou a necessária convocação do Exército, cuja mera presença simbólica já serviu para estancar a desordem, a ponto de o decreto presidencial poder ser revogado em menos de 24 horas.
A lição não compreendida pelos que desconhecem a Constituição – além daqueles que fingem não compreendê-la por cinismo, com vista à imposição arbitrária de seus próprios objetivos – é a de que os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais. Assim, agem na defesa da Pátria (fracasso da diplomacia), na defesa das instituições contra agressões físicas (fracasso da população em entender que a violência contra instituições não é própria das manifestações democráticas) ou da lei e da ordem (fracasso da harmonia entre Poderes ou invasão de competência de um na de outro).
O simples fato de se criar esse instrumento supremo e estabilizador, em momentos de crise não solucionada pelo poder civil, foi pensado pelos constituintes de 88, objetivando preservar a mais importante conquista política de um povo, que é a democracia.
John Rawls, em seu livro Direito e Democracia, sustenta só ser possível a democracia a partir da convivência de “teorias não abrangentes”. Ou seja: não há teoria absoluta, na democracia; do debate entre as várias teorias é que surge, para cada nação, a melhor aplicável. Não sem razão, o regime parlamentar é o melhor sistema de governo (responsabilidade a prazo incerto), pois as mudanças políticas se fazem sem traumas, ao contrário do presidencialismo (irresponsabilidade a prazo certo), em que tais mudanças são sempre traumáticas. Das 20 maiores democracias do mundo, 19 são parlamentaristas e só uma (Estados Unidos) é presidencialista.
Tais considerações eu as faço para esclarecer que têm as Forças Armadas função relevante, para não permitir que a democracia brasileira seja maculada por baderneiros e políticos oportunistas, ou seja, aqueles que causaram o caos econômico, a inflação descontrolada, o desemprego elevado e brutal queda do PIB, além de longos anos de corrupção sem limites.
A democracia só pode ser vivenciada por povos que compreendem que o debate político é necessariamente oposição de ideias e que estas devem ser sempre expostas sem limites, mas também sem violência, para que a razão, e não a emoção gerada pelo populismo, venha a prevalecer. A ignorância, de rigor, é a grande arma de que o populismo se serve para conquistar o poder. Mas o líder populista é um despreparado para exercê-lo, razão por que, quando o conquista, promove retrocesso e corrupção.
Pode-se criticar o texto constitucional por adiposidade excessiva em disposições, muitas delas sem densidade constitucional. Mas, na essência, Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral (presidente e relator) conseguiram de seus pares um texto em que a parte dedicada aos princípios fundamentais é boa, principalmente a que diz respeito aos direitos individuais e ao equilíbrio entre os Poderes, com papel relevante, mas de reserva para crises, das Forças Armadas.
Por Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e Unifmu, do CIEE/’O Estado de S. Paulo, da Eceme, da ESG e da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª região. Presidente da Comissão de Reforma Política da OAB/SP.
Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.