09/10/2017 15:12
”É hora, pois, de a humanidade buscar saber o que é notícia e quem a define. Suspeito que esteja aí, nas respostas a estas duas perguntas, o princípio da solução da maioria dos problemas do mundo.”
Há poucos dias o estado norte-americano do Texas foi atingido pelo furacão Harvey. Até onde li, 82 semelhantes nossos perderam a vida por conta desta catástrofe, absolutamente inevitável. A grande imprensa, justificadamente, proporcionou à humanidade ampla cobertura do evento.
Há poucos dias o continente africano foi atingido por enchentes. Até onde li, 1.240 semelhantes nossos perderam a vida por conta desta catástrofe, absolutamente evitável. A grande imprensa, imperdoavelmente, sonegou à humanidade uma ampla cobertura do evento.
A primeira reflexão que se nos apresenta: será que a vida de um único norte-americano vale muito mais que a de 15 africanos?
Caberia, igualmente, considerarmos um outro aspecto: a tragédia africana poderia ter sido evitada se os recursos destinados às obras de saneamento não tivessem sido desviados, ora pela corrupção, ora por empresas transnacionais lá instaladas – e sequer assim tão monstruosos atos, uma verdadeira chacina praticada no altar da ganância, foram notícia.
Uma terceira faceta seria aquela do ineditismo: algo rotineiro não ‘venderia jornal’. A partir daí, e dado que lá na África os miseráveis morrem como moscas, estaria explicada a baixa divulgação. Daí a morte de um semelhante nosso de fome a cada cinco segundos não ser notícia – ou a de 20 crianças brasileiras, diariamente, por falta de saneamento básico.
Sim, tudo isto poderia explicar a pouca repercussão das tragédias que afligem os miseráveis. Mas não é esta, ao meu ver, a reflexão maior a se retirar do episódio. Estaria ela, na verdade, em duas perguntas: o que é, afinal, notícia, e quem a define?
Há alguns anos uma poderosa empresa ocidental decidiu testar vacinas em crianças pobres do sudeste asiático. Matou-as aos borbotões. Isto não foi notícia na grande imprensa – só descobri o fato por ler um jornal lá do Butão.
Há um mês li sobre o drama das cobaias humanas da Índia, vítimas de laboratórios ocidentais; há dois, sobre a exportação, para a África, dos veículos banidos da Europa por serem perigosamente poluentes – novamente, somente em pequenos jornais locais.
É hora, pois, de a humanidade buscar saber o que é notícia e quem a define. Suspeito que esteja aí, nas respostas a estas duas perguntas, o princípio da solução da maioria dos problemas do mundo.
Por Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.