26/04/2018 11:59
”Talvez a mistificação do novo esteja de algum modo vinculada a fins de ciclo, e à incapacidade de o sistema se auto-renovar. Por que diachos a política brasileira vive de soluços?”
O debate em torno do centro veio substituir a discussão sobre o novo, que agora volta com força pelas mãos da provável candidatura de Joaquim Barbosa. Que nos sonhos da direita autodita centrista fundiria as duas qualidades: ser apresentada como a novidade de centro.
No popular, juntaria o útil ao agradável, ou a fome com a vontade de comer.
E assim segue o debate eleitoral, orientado por miragens, como o novo ou o candidato de centro, sem nunca tocar no essencial: o que o indigitado vai fazer caso o eleitor decida dar a ele 4 anos no Palácio do Planalto.
Até agora, os adjetivos e aparentados dominam a cena. Os substantivos, coitados, estão muito atrás na fila. Com boa chance de nunca serem chamados.
A esperança é a última que morre, então tenhamos esperança de que num belo dia o diálogo eleitoral apareça recheado de substantivos e verbos, esses elementos que injetam vida na comunicação.
Já fui mais otimista, mas confesso que as últimas semanas diluíram meu otimismo. E a culpa, claro, é da esquerda e do PT.
Mesmo sob fogo cerrado, a esquerda e o PT conseguiram chegar até aqui exibindo músculos suficientes para a competitividade eleitoral. Diante disso, a direita, sempre desconfiada da própria capacidade de bater a esquerda num mano a mano transparente sobre como cada um vai governar, escapole para a velha fórmula do novo, agora atualizada pelo ingrediente centrista.
Em vez de discutir reforma da previdência, é muito mais fácil fazer campanha dizendo que todos os políticos são corruptos e o Brasil está seriamente ameaçado pelo extremismo.
A solução, portanto, seria recorrer a alguém moderado e de fora do sistema, para inocular benignidade numa política tomada pela praga maligna da corrupção. E do extremismo. Depois da urna virá a conta, mas aí o serviço estará feito.
Se os propagadores dessa linha parassem para pensar com alguma honestidade intelectual (só os ingênuos acreditam que a política pode ser conduzida assim), ou pelo menos cuidassem de evitar passar vergonha mais adiante, admitiriam que poucas coisas são mais velhas na política brasileira do que aparecer na véspera da eleição brandindo a foto do novo que vai acabar com os políticos corruptos.
Foi a fórmula de Jânio em 1960 e a de Collor em 1989.
Mas é preciso reconhecer: é inteligente tentar repetir o estratagema, pois das outras vezes deu certo. “Primeiro a gente elege ele, para evitar a vitória dos esquerdistas. Depois, se precisar, a gente derruba.”
Foi assim com Jânio, para acabar com a longevidade do getulismo. Foi assim com Collor, escalado contra o “monstro Brizula”, o pesadelo de ter Brizola e Lula na final.
E o detalhe curioso: três décadas separaram Jânio Quadros e Fernando Collor. E três décadas passaram desde a eleição do primeiro presidente pós-1964. Que assumiu pouco mais de três décadas após a revolução de 1930.
Talvez a mistificação do novo esteja de algum modo vinculada a fins de ciclo, e à incapacidade de o sistema se auto-renovar. Por que diachos a política brasileira vive de soluços? Bom tema para outra análise.
Alon Feuerwerker, 62 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação. Militou no movimento estudantil contra a ditadura militar nos anos 1970 e 1980. Já assessorou políticos do PT, PSDB, PC do B e PSB, entre outros