07/08/2018 10:39
”Em compensação, resta-nos o consolo de saber como pensa cada um dos jornalistas do grupo que entrevistou os candidatos. Desinteressante para o telespectador(…)”
Vitória – O monopólio da comunicação no Brasil, dominado por uma igreja evangélica e por três famílias – Marinho, Mesquita e Frias – é responsável pelo afunilamento do mercado de trabalho dos jornalistas nas últimas décadas. E para piorar a situação, o mundo globalizado e a era digital contribuem hoje decisivamente para encurtar o tempo de sobrevivência da imprensa escrita, provocando a demissão em massa de jornalistas e submetendo boa parte deles à politica editorial dos seus patrões, amordaçando-os de forma a aprisionar suas atitudes e opiniões.
Infelizmente, foi o que podemos constatar no debate dos presidenciáveis da GloboNews, que culminou com o vexame da jornalista Miriam Leitão obrigada, pela direção da empresa, a ler, com um ponto no ouvido, como um ventrílogo, um editorial que respondia à pergunta maliciosa de Bolsonaro sobre se o Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, era um ditador ou um democrata por ter apoiado a ditadura militar.
Via-se claramente na tela uma jornalista constrangida quando repetia as palavras ditadas ao seu ouvido pelo chefe para responder a Bolsonaro. Percebia-se seu incômodo ao ser obrigada a explicar o inexplicável ao telespectador, pois é sabido de todos que o jornalista Roberto Marinho pôs a sua organização a serviço da ditadura militar e resistiu ao movimento das Diretas Já que pedia eleições livres no Brasil.
Não sabemos até que ponto, nós, jornalistas, devemos nos submeter à política editorial dos donos da mídia. Fica difícil julgar onde começa e termina a ética da profissão, quando sabemos que a categoria perdeu a sua legítima representação de classe com seus sindicatos, federação e associações – e até mesmo jornalistas – envolvidos ideologicamente com partidos políticos. Parece-me, muito, que a ética começa a morrer com o tempo de casa do profissional na empresa, quando ele assimila e defende os propósitos do próprio patrão com receio de ficar fora do mercado de trabalho.
A Miriam Leitão está sendo criticada por colegas e telespectadores pelo fato de transmitir a Bolsonaro a posição da Organização Globo como se estivesse numa escola repetindo as primeiras lições da sua professora primária. Em alguns momentos a defendi aqui neste espaço por calúnias atiradas contra ela por jornalistas e críticos petistas que a todo momento tentam apedrejá-la por suas posições anti-PT. Profissional competente e íntegra, dessa vez Miriam pisou na bola ao se submeter a truculência do seu chefe que poderia ter exibido a resposta oficial da emissora em caracteres na tela depois que ela finalizasse o programa. Certamente a pouparia do vexame de contestar a provocação de Bolsonaro como marionete de um programa em que até então ela comandava.
Muitas das críticas a jornalista na internet são pesadas. Mas, uma delas, a do jornalista William Waack é inoportuna. Diria até desleal contra a sua ex-colega de emissora. William, como todos sabem, também foi vítima da truculência da Globo ao ser demitido sob acusação de racismo. Deixou a TV depois de fazer um acordo de R$ 3 milhões para não sair atirando, uma espécie de cala boca que o silencia até hoje de falar sobre os reais motivos do seu afastamento. Pois bem, o próprio William, escorraçado pelo sistema global até bem pouco tempo, disse no seu blog que não está submetido ao ponto – uma espécie de receptor que fica grudado a orelha do apresentador para orientá-lo durante o programa – quando fala ou escreve atualmente.
William quis ironizar a Miriam Leitão, diminui-la profissionalmente, expor a jornalista como se ela não tivesse autonomia para responder ao seu entrevistado. Ora, essa crítica vem de onde menos se espera. O jornalista esquece os seus 21 anos dedicados com exclusividade as Organizações Globo, submetido, como tantos outros profissionais, aos editoriais do grupo que lia com frequência com ponto ou sem ponto quando a emissora queria defender os seus interesses. Portanto, quando ele aponta o estilingue em direção a ex-colega, no fundo, quer responsabilizá-la por uma iniciativa que não foi dela, mas dos seus patrões que William serviu com fidelidade canina até ser demitido.
Quanto aos debates com os candidatos, infelizmente o que se viu foi um amontoado de jornalistas se atropelando pela melhor posição na foto. Na verdade, o que seria uma série de entrevistas com os presidenciáveis virou, na verdade, um interrogatório policialesco do “salve-se quem puder”, uma coisa tosca em que o entrevistador queria ser mais importante do que o entrevistado. Um modelo que, francamente, não deu certo, pois, no final de tudo, ficamos sem saber o que a maioria dos candidatos pensam sobre o Brasil e quais são as suas propostas para um país melhor.
Em compensação, resta-nos o consolo de saber como pensa cada um dos jornalistas do grupo que entrevistou os candidatos. Desinteressante para o telespectador, diga-se.
Por Jorge Oliveira, jornalista, integra a galeria de vencedores do Prêmio Esso de Jornalismo.