13/09/2018 12:40
”Novas atitudes. Desde a época colonial, quando aguardavam as ordens do Rei, os brasileiros se acostumaram a ser subservientes ao poder central”
Produtores rurais do Mato Grosso toparam bancar a construção da Ferrogrão, uma ferrovia que ligará o norte do estado até o porto fluvial de Miritituba, no rio Tapajós, Pará. Serão 933 km ao custo de R$ 12,7 bilhões.
A obra interessa às grandes tradings que comercializam a safra nacional, pois a saída Norte reduz custos na exportação para os mercados da China, Rússia e Europa. De R$ 300 por tonelada de grão, utilizando atualmente os portos do Sudeste e do Sul, o custo do transporte poderá cair para R$ 110 por tonelada. Economia para todos.
Liderados pela dinâmica Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso), os agricultores irão recolher uma taxa proporcional ao volume de soja e milho que negociam. Um Fundo de Investimento próprio será constituído para, junto com as empresas exportadoras, custear o projeto, que madura há 5 anos. Segundo Antônio Galvan, presidente da Aprosoja, eles devem arrecadar R$ 600 milhões por ano. É sensacional.
Outra importante ferrovia também está sendo viabilizada, ligando Dourados, no Mato Grosso do Sul, ao Porto de Paranaguá, no Paraná. Aproveitando trechos existentes da Ferrooeste, cerca de 1.000 km serão implantados a um custo estimado de R$ 10 bilhões. Um PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse) foi lançado para atrair a iniciativa privada. Novidade: gigantes cooperativas da região se organizam para entrar na jogada.
Em ambos os casos, no Mato Grosso ou no Paraná, o que faz a diferença é a pró-atividade dos agricultores e seus parceiros do agronegócio, sejam tradings ou cooperativas. Todos se cansaram de esperar o governo agir. Resolveram arregaçar as mangas para tirar os projetos do papel.
Logística é uma palavra-chave para o agronegócio. Em qualquer parte do mundo, volumosas cargas precisam de eficiente transporte para serem escoadas. Nos EUA, a poderosa hidrovia do Rio Mississipi garante boa parte do sucesso da produção rural do meio-oeste norte-americano.
No Brasil, tornou-se chavão dizer que nossas vantagens tecnológicas, da porteira da fazenda para dentro, se perdem na comercialização da safra, saindo da porteira para o mercado global. Estradas esburacadas, ferrovias e hidrovias inexistentes, portos e aeroportos lerdos, burocracia e corrupção, tudo conspira a favor da ineficiência, elevando o custo do transporte nacional.
Bancar a infraestrutura para o desenvolvimento sempre foi uma tarefa histórica básica do Estado. Mas os tempos são outros. Primeiro, o avanço do capitalismo criou grandes empresas multinacionais aptas, elas próprias, a bancarem sua infraestrutura produtiva. Segundo, no Brasil em especial, a crise fiscal do Estado reduziu, em muito, a capacidade do investimento público. Contar com o Tesouro é perda de tempo.
Esse é, paradoxalmente, o lado bom dessa crise – política, de gestão e financeira – do Estado brasileiro: empurrar os empresários, rurais ou urbanos, para a agenda do empreendedorismo. Chega de depender dos governos. Eles que, no máximo, normatizem os modelos de negócios, criem os marcos jurídicos. E não atrapalhem a produção.
Novas atitudes. Desde a época colonial, quando aguardavam as ordens do Rei, os brasileiros se acostumaram a ser subservientes ao poder central. Esse desgraçado traço de nossa formação cultural está sendo eliminado pelos modernos produtores rurais brasileiros. Viva a Ferrogrão!
Por Xico Graziano, 65, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV e sócio-diretor da e-PoliticsGraziano. O articulista escreve para o Poder360 semanalmente, às quartas-feiras.