Opinião – Não foi a Lava Jato que inventou o Estado Policial

03/12/2018 13:11

”Assassinato de reputações é mais antigo; No Brasil, data do impeachment de Collor; O Mensalão também registrou exageros”

Robespierre eternizou-se na História como algoz e vítima de um processo político que, iniciado por ele, saiu de seu controle e acabou o consumindo. Líder dos Jacobinos na Revolução Francesa, presidiu o tenebroso Terror, em que na posição de chefe da “Comissão de Salvação Pública” levou um número incerto (talvez 20 mil pessoal) de condenados à guilhotina.

As voltas indomáveis da História fariam com que a própria cabeça de Robespierre acabasse sendo decepada pela mesma lâmina que ele inclementemente comandou.

No Brasil do século 21, a expressão “Estado Policial” ganhou notoriedade para descrever um conjunto de abusos e execrações públicas ocorridas na esteira das operações da Polícia Federal, geralmente no combate à corrupção de agentes públicos, políticos e organizações empresariais. Os exageros são notórios e merecem realmente questionamento.

Com o protagonismo alcançado pela operação Lava Jato e as sombras que suas revelações impactantes logo projetaram sobre todas as demais operações policiais, criou-se a falácia de que a Lava Jato representa a implantação do Estado Policial no país. Por ter representado um abalo sísmico nas fundações do Partido dos Trabalhadores, esse sofisma ganhou ares de verdade para amplos setores do pensamento.

Mas um exame frio e desapaixonado dos fatos mostra que não é bem assim. A máquina de triturar reputações de nossa jovem democracia começou a operar a plenos poderes já nos primórdios dos anos 1990. A Lava Jato, como se sabe, é um fato histórico que surgiu em 2014, logo, um quarto de século depois.

Foi durante o impeachment do presidente Fernando Collor que a dinâmica de vazamentos orquestrados de documentos sigilosos e oficiais foi inaugurada como prática de combate político. E todos que orbitam os bastidores do Congresso sabem que os canais azeitados desses vazamentos tinham como operadores jacobinos do Partido dos Trabalhadores, alguns deles hoje em situação melindrosa. Collor caiu, mas a caixa de Pandora fora aberta.

Nos idos do Mensalão, por volta de 2005, deu-se início às espetaculosas “operações” policiais. Hoje, quase ninguém se recorda, mas uma delas teve como alvo uma butique de altíssimo luxo em São Paulo, a Daslu. Transcrevo aqui um registro do efetivo utilizado na operação contra a, certamente, inofensiva butique. Um governo do Partido Trabalhadores comandava a Polícia Federal naqueles dias.

Cerca de 250 agentes da Polícia Federal, em parceria com a Receita Federal e o Ministério Público, fizeram uma varredura na loja“. Alguns portavam ostensivas metralhadoras. Era a “Operação Narciso”.

Sim, o Brasil começava a se habituar com operações policiais com “nomes” impactantes. A Daslu era o “templo do luxo”. Narciso, o símbolo da vaidade. Bingo. A dona da loja foi presa. Morreria de câncer alguns anos depois.

Então você me pergunta: a moral da história é “bem feito”? Aqui se faz, aqui se paga? Olho por olho, dente por dente? Longe disso! É justamente o contrário: a lei de Talião e o código de Hamurábi são tudo, menos o devido processo legal. Nenhum abuso de ontem pode justificar nenhum abuso de hoje. A rigor, nenhum abuso nunca é justificável. Do mesmo modo que é historicamente falacioso afirmar que a Lava Jato representa a implantação do Estado Policial, por maiores críticas que se façam a ela.

O que o exame desapaixonado dos fatos recentes mostra é que os jacobinismos produzem desfechos conhecidos pela História. Que os operadores de nossas guilhotinas nunca se esqueçam disso.

(P.S. A cena final do clássico “O Ovo da Serpente”, do cineasta Ingmar Bergman, não poderia ser mais emblemática para encerrar este artigo:

– Qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado.)

 

 

 

 

Por Mario Rosa, 54 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor

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