01/05/2019 13:25
”Com tais formadores de opinião aprendo cotidianamente de onde não me vem salvação, nem lição ou ilustração. Prefiro a visão que salvou a vida da menina Damares”
“O momento mais doloroso da minha vida, a imprensa está zombando. Mas que zombe, que fale, a fé me salvou naquele pé de goiaba”. (Damares Alves)
De modo muito penoso, o Brasil que nos chegou do século XX está se conhecendo, revirando entranhas, olhando ao redor como quem, náufrago cotidiano, procura um porto seguro, flutuante a algumas braçadas de distância. Os tempos não são propícios. O Ocidente fraquejou na prosperidade e se rendeu ao preconceito contra todo conceito. A Europa deixa de ser ela mesma para virar uma decisão de burocratas. Milênios de cultura, civilização, tradição viram lixo hospitalar: nem reciclado, nem decomposto. Incinerado em benefício e privilégio de um multiculturalismo cada vez mais impositivo e inibidor! O relativismo é a religião do momento e tudo é duvidoso, exceto a fobia às convicções e a necrofilia prestada ao cadáver do socialismo, servido por carinhoso boca a boca nas salas de aula do país.
Se conceitos éticos fundamentais ganhassem corpo e saíssem às ruas, não seriam reconhecidos, não receberiam mero bom dia de quem quer que fosse. Seus milenares ensinamentos sumiram como sumiu a voz das consciências, instruídas a se sentirem sempre bem, mesmo quando tudo estiver mal.
Em vão os náufragos do imanente buscam salvar-se do desastre cultural e civilizacional suspendendo-se por seus também imanentes cabelos. Em círculos andam os cegos conduzidos por cegos. Entre eles estão muitos de nossos profetas cotidianos, em seus microfones, a rir da virtude, troçar do bem, medindo a grandeza humana com a régua da própria pequenez.
A futura ministra das mulheres, família e direitos humanos, Damares Alves, contou ter visto Jesus num “pé de goiaba”, quando criança, numa ocasião em que, tomada pelo desespero, planejava a própria morte por envenenamento. Aquela visão salvou-lhe a vida. Pronto! Foi o que bastou para se tornar motivo de piada, ao desfrute dos profetas da filosofia miserável. “Como assim, foi salva por Jesus? Ela sequer tentou içar-se do desespero pelos próprios cabelos? Ela viu e creu? Ela ouviu e entendeu?”.
Como esse imanentismo é burro e maldoso! Leandro Karnal, um dos que fizeram coro contra o relato da ministra, correu a desculpar-se ao saber que a criança do pé de goiaba fora abusada: “Fui precipitado, julguei de forma equivocada e reagi de forma atabalhoada. Ironizei sem saber da dor e julguei uma concepção religiosa. Minhas postagens estavam distantes dos valores de tolerância e liberdade. Acredito nestes valores”.
Haveria pedido de desculpas, fossem menos dramáticas as circunstâncias? O julgamento de uma concepção religiosa é parte do preconceito que, de todos os lados, ataca o futuro governo Bolsonaro. O episódio faz nova prova de que a dita tolerância destes tempos náufragos tem seu vodu, nele espeta agulhinhas sempre que pode e não o tolera sequer em crianças. Insensatos!
Com tais formadores de opinião aprendo cotidianamente de onde não me vem salvação, nem lição ou ilustração. Prefiro a visão que salvou a vida da menina Damares.
Por Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.