Opinião – Guerra virtual: O tropeço das palavras e as leis

07/06/2019 13:16

”No novo mundo digital, há explosão de conteúdos de ódio, disparo de mentiras por milícias digitais, linchamentos verbais e ofensas de todos os gêneros e espécies”

A consolidação das redes sociais e dos aplicativos, com destaque para o WhatsApp, engendrou uma troca de informações mais ágil, informal e interativa. Neste novo mundo, em contrapartida, há explosão de conteúdos de ódio, disparo de mentiras por milícias digitais, linchamentos verbais e ofensas de todos os gêneros e espécies.

O livro de Tiago, no Novo Testamento, profetizando o caos na nova realidade que nos cerca, advertia: “toda a natureza, tanto de bestas-feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana; mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal”.

É a natureza das novas mídias que potencializa este fenômeno ou é a velha natureza humana que o estimula e materializa? Uma resposta provisória é de que ambas estão implicadas neste mundo onde as palavras são disparadas como balas em uma violenta e sangrenta guerra.

O território digital que pavimenta o presente artigo é o do nosso cotidiano. Terreno onde questões envolvendo Democracia, Justiça e Direito emergiram no noticiário recente.

As ameaças ao Poder Judiciário, bem como aos Procuradores da Lava-Jato no Rio, para ficar apenas em poucos exemplos , ressaltaram a relevância de como é importante distinguir liberdade de expressão e proteção social frente a ameaças verbais e intimidações.

No Brasil, a legislação conta com a chamada Lei Carolina Dieckmann e também com o Marco Civil da Internet. Ambas protegem a intimidade e privacidade sob o ponto de vista de invasões de dispositivos e reproduções não autorizadas de conteúdos digitais. Mais recentemente, a Lei nº 13.642/18 determinou que crimes praticados pela internet relativos a conteúdos de propagação de ódio ou violência contra as mulheres sejam investigados pela Polícia Federal.

Estes avanços no arcabouço jurídico têm desenhado uma fronteira clara que diferencia atos criminosos de críticas acirradas, garantidas sempre pela liberdade de expressão. Embora sentir o desconforto da crítica seja uma reação típica da natureza humana, não há que se resvalar para o autoritarismo e o cerceamento democrático.

Vale dizer, ainda, que para os crimes na plataforma digital e meios eletrônicos aplicam-se os mesmos dispositivos dos Códigos de Penal e de Processo Penal do Brasil , relativos aos crimes de calúnia, difamação e injúria, além, evidentemente, de clara e oportuna legislação para reparação financeira dos danos experimentados. O tratamento é semelhante – não importa se na rua ou em uma rede social.

Um caso recente trouxe lições relevantes para o enfrentamento deste problema cada vez mais frequente. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu acolher a queixa-crime do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) movida contra a desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A desembargadora tornou-se ré por conta da ameaça e ofensa que fez pela internet ao escrever que o então deputado merecia “um ‘paredão profilático, embora não valha a bala que o mate e o pano que limparia a bagunça”.

A decisão do STJ, no bojo das ameaças que a desembargadora perpetrou na web, demonstrou para toda a sociedade a plena existência de instrumentos legais e eficazes para coibir manifestações desta natureza.

A preocupação quanto aos conteúdos levou o próprio Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, em artigo no jornal Washington Post (30.mar), a solicitar mais regulação na Internet. No texto, Zuckerberg defende a necessidade de novas regras sobre conteúdo prejudicial, propagação de ódio, integridade nas eleições e privacidade. Faz todo sentido.

Em artigo publicado originalmente no New York Times, e reproduzido na Folha de S. Paulo (19.abr), a escritora polonesa Olga Tokarczuk faz admirável alerta: “a agressão está no ar. As emoções desencadeadas pela escalada da linguagem do debate político podem facilmente converter-se em atos, e então essa agressão passa a se dirigir contra um alvo específico. Basta uma pessoa iludida”, escreveu com base no cenário polarizado em seu país.

A história se repete aqui também. As palavras transformaram-se em armas de fogo. É preciso contê-las. Eis o desafio!

 

 

 

Por Marco Aurélio de Carvalho, advogado, é formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, inscrito na OAB-SP e na OAB-DF. Sócio e fundador da Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho

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