25/06/2019 10:18
”Sustentamos, com o peito inflado por um falso patriotismo, que normalmente este imenso país vive em paz. Em paz? Só se for aquela famosa paz dos cemitérios”
Quem não se lembra do filme “Apocalypse Now”, um clássico dirigido por Francis Ford Coppola retratando os horrores da Guerra do Vietnã? Eram cenas chocantes mostrando helicópteros sendo derrubados a tiros de metralhadora e pessoas morrendo como moscas.
Naquela guerra o exército norte-americano lutou ferozmente durante dez longos anos, perdendo 58.198 soldados. Enquanto isso, só no ano de 2003, o pacífico Brasil, que não estava em guerra, perdeu 51.043 filhos assassinados pelas suas ruas.
Há também a Segunda Guerra Mundial, reputada o maior conflito da história. O exército norte-americano lutou praticamente no mundo inteiro – desde os campos da Europa até o Oceano Pacífico. Enfrentou desde os tanques de guerra nazistas até os kamikazes japoneses. Nesta guerra, que durou uns cinco anos, os Estados Unidos perderam 291.557 soldados em combate. Enquanto isso, entre 2002 e 2006, 243.232 brasileiros morreram assassinados em nossas cidades, que vivem em paz.
E que dizermos da Primeira Guerra Mundial? Em uns quatro anos de conflito encarniçado pelas trincheiras da Europa, 53.402 soldados norte-americanos foram mortos em combate. Enquanto isso, só no ano de 2005, a população brasileira assistiu 47.578 homicídios, algo espantoso para um país que vive em paz!
Diante destes dados resolvi fazer umas contas. Verifiquei quantos soldados norte-americanos morreram em combate na Guerra do México, Guerra Hispano-Americana, I Guerra Mundial, II Guerra Mundial, Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo, Guerra do Iraque e Guerra do Afeganistão. Cheguei a 666.056 baixas ao término de uns 34 anos de batalhas terríveis. Enquanto isso, em apenas 16 anos (1990 a 2006), 697.668 civis brasileiros morreram a tiros, facadas ou pauladas pelas ruas deste tranquilo país.
Já horrorizado diante destes números, fiz mais alguns cálculos e constatei algo assustador: o Exército dos Estados Unidos em guerra perde uma média de 53,67 soldados por dia. Já o Brasil, usufruindo de uma paz absoluta, perde 119,46 habitantes assassinados por dia – mais do que o dobro! Talvez devêssemos nos alistar nas Forças Armadas dos EUA – lá deve ser mais seguro e menos violento!
Voltei às planilhas. Constatei que nos cerca de cinco anos da Segunda Guerra Mundial, a pior de todos os tempos, o número de soldados mortos em combate dos exércitos da Bélgica, Bulgária, Canadá, Tchecoslováquia, Dinamarca, Grécia, Holanda, Noruega, Austrália, Índia, Nova Zelândia e África do Sul somados foi de 166.914. Nós não precisamos de cinco anos de guerra para tanto – só entre 2000 e 2003 enterramos, absolutamente em paz, 193.925 compatriotas!
Durante aqueles cinco anos de guerra a França, invadida pelos nazistas, perdeu 201.568 soldados. A Itália, sob Mussolini, 149.496. E o Brasil, durante cinco anos de paz e sossego (2001 a 2005), viu serem brutalmente assassinados 244.471 civis.
Há poucos anos ganhou o mundo a imagem de um helicóptero da Polícia abatido a tiros em pleno Rio de Janeiro. Dentro daquela frase de Victor Hugo, segundo quem “as ilusões sustentam a alma como as asas a um pássaro”, ficamos a defender o orgulho nacional dizendo ter sido aquele um episódio isolado. Sustentamos, com o peito inflado por um falso patriotismo, que normalmente este imenso país vive em paz. Em paz? Só se for aquela famosa “paz dos cemitérios”.
Por Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.