05/08/2019 03:24
”Brasil tornou-se modelo internacional; Temos que bater mais que apanhamos”
No final da semana que se passou, os Ministérios Públicos do Brasil e do Quênia estabeleceram parceria, tendo como objeto o fornecimento de instrumentos utilizados em nosso país em investigações contra a corrupção, especificamente os sistemas Simba, que analisa movimentações bancárias, e o Stell, que trata de informações telefônicas.
A cooperação se estabeleceu entre as Procuradorias-Gerais da República de ambos os países no momento em que o ministro do Tesouro queniano foi preso, acusado de corrupção, bem como no contexto da decisão do presidente do STF do Brasil interditando o fluxo livre de informações bancárias suspeitas entre o Coaf e o Ministério Público, na contramão do que se pratica no mundo e dos compromissos e recomendações do GAFI.
O Brasil tem se notabilizado, desde o caso do mensalão e, especialmente, nos últimos cinco anos, pelo embate ferrenho anticorrupção, desde o início dos trabalhos da Operação Lava Jato, migrando da posição de país exportador de corrupção para a de modelo exemplar de enfrentamento, reverenciado pelo mundo, alcançando inédito patamar de 1/3 de recuperação de ativos desviados, noticiando-se a recuperação na última semana de mais R$ 424 milhões para a Petrobras, ultrapassando-se a cifra de R$ 3 bilhões em relação a tal empresa.
Além da Lava Jato, recentes publicações no âmbito da América Latina, enfatizaram o trabalho de brasileiros que se têm notabilizado neste campo. A Americas Quarterly enalteceu o desempenho de Luiz Antônio Marrey no comando da missão da OEA em Honduras para a construção de um sistema judiciário eficiente no combate à corrupção. Marrey, ex-procurador geral de Justiça de São Paulo por três mandatos e ex-secretário de Estado da Justiça e um dos membros fundadores do Instituto Não Aceito Corrupção, é um dos cinco líderes destacados pela prestigiosa publicação.
Também a advogada Isabel Franco, integrante do Conselho Superior do Instituto Não Aceito Corrupção foi recentemente reconhecida como inspiradora e líder na área do compliance pela LACCA (Latin American Corporate Counsel Association).
Ilustrando o avanço, o índice de capacidade de combate à corrupção (CCC), divulgado em junho, elenca os avanços estruturais em instituições e instrumentos de combate à corrupção, mostrando o Brasil na segunda posição na América Latina, sendo a primeira ocupada pelo Chile, destacando-se positivamente a independência do sistema judicial e dos órgãos anticorrupção brasileiros, nível de capacidade de combate aos crimes do colarinho branco, bem como o uso de canais de cooperação internacional e instrumentos de colaboração premiada.
Lançado em 2019, é resultado de parceria entre o Americas Society/Council of Americas (AS/COA) e a consultoria Control Risks, destaca também pontos críticos. No nosso caso, a dificuldade de aplicar as regras de financiamento de campanhas eleitorais, a fragmentação partidária bem como a fragilidade nos processos legislativo e decisório. Além disto, os riscos envolvendo a escolha do novo PGR, o julgamento sobre a prisão após condenação em segundo grau e dificuldades de aplicação da Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012.
Apesar das imensas dificuldades e mesmo diante da consciência de estarmos tocando a ponta do iceberg em matéria de combate à corrupção, seu enfrentamento corajoso no Brasil com intensa cooperação internacional e ênfase na recuperação de valores desviados são imprescindíveis para a virada de chave nesta luta, que, como afirmou Ayres Britto, será vencida por pontos, e não por nocaute. Mas, para isto, temos de bater mais que apanhamos.
Por Roberto Livianu, 50, é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela USP. Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção