Opinião – Prisão em trânsito julgado

18/10/2019 11:58

”Corre-se o risco de o Judiciário brasileiro liberar milhares de facínoras perigosos apenas para beneficiar meia-dúzia de poderosos que se julgavam intocáveis e podiam fazer tudo o que lhes conviesse”

Pululam especialistas afirmando que ninguém poderá ser preso até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Até parece coisa orquestrada, para incutir nos leigos a ideia de que se trata de uma verdade inconteste.

Eles se apegam ao artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, para o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em regra, também não poderá ser preso, salvo as exceções previstas em lei.

Os juristas que tentam reforçar o entendimento de ministros do STF fazem de conta que milhares de pessoas não estão presas no Brasil sem sentença penal condenatória, sem que isso fira a Constituição, porquanto a situação se enquadra nas exceções previstas em lei.

Aliás, ressalte-se que 40% dos presos são provisórios: aqueles cujos flagrantes foram convertidos em prisão preventiva, os presos temporariamente e os presos preventivamente, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (art. 312 do Código de Processo Penal).

A Lei 7.960/1989 dispõe que cabe prisão temporária, nas seguintes situações:
I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);          (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);           (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);          (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986); p) crimes previstos na Lei de Terrorismo.

Portanto, não fere os princípios constitucionais a prisão para cumprimento de sentença após condenação em segunda instância, quando não há mais provas a serem produzidas, quando já foram assegurados a ampla defesa e o contraditório. Soube que o ministro Dias Tofolli quer apresentar uma proposta intermediária, para que a prisão seja efetuada em terceira instância (STJ), mas parece acordo político, remendo, porque se não cabe a prisão em segunda instância não deve caber também em terceira, somente na última, com o trânsito em julgado.

Corre-se o risco de o Judiciário brasileiro liberar milhares de facínoras perigosos apenas para beneficiar meia-dúzia de poderosos que se julgavam intocáveis e podiam fazer tudo o que lhes conviesse.

A pancada do bumbo mudou.

 

 

 

 

 

Por Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.

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