18/10/2019 12:03
”STF julga prisão pós-2ª Instância. Mas não enfrenta real problema. STF corre risco de ser vítima do próprio binário que construiu: decisões a favor ou contra Lula”
Leonel Brizola antecipou-se (em muito) às táticas e à terminologia dos marqueteiros políticos. Dizia –e praticava– que no debate eleitoral era necessário apontar “1 diabo” –1 tema ou personagem inimigo a quem se prometeria combate e que, nessa luta virtual, garantiria o que hoje se chama “o controle da narrativa“.
Faz parte da política, desde sempre e em todos os lugares. Collor com os marajás, o primeiro Lula com as elites, Bolsonaro contra o petismo, Trump contra quase todos. Enfim, cada 1 constrói seu diabo e torna-se sócio dele. Quanto melhor a escolha, maiores as vitórias.
O único problema é que estas narrativas geralmente colocam os debates na direção oposta ao que realmente interessa. E acabam, muitas vezes, prejudicando a análise e a solução do que prometem.
Caso emblemático é a decisão em curso no Supremo Tribunal Federal. Armou-se, de forma esquemática, a narrativa “garantias x impunidade“. Assim, quem cobra solução eficaz para a punição de delitos torna-se inimigo do direito à presunção de inocência, ao contraditório e a mais alguns conceitos estrategicamente escolhidos para que ninguém se atreva a dizer que se opõe a eles. A contradita vem dos “combatentes da corrupção” que, amparados pelo sentimento popular contra o colarinho branco nos devolvem uma versão curitibana do velho “os fins justificam os meios“.
Assim divididos, nossos ilustres ministros do STF passarão os próximos dias pretendendo nos convencer que OU combatemos a corrupção OU garantimos o devido processo legal (a prévia disto veio na 4ª feira com o debate Moraes/Barroso/Toffoli).
Deselegante e desrespeitoso, para tomar de empréstimo adjetivos usados no debate entre os 3 ministros, talvez seja tentar nos condenar a este falso binário. E retirar do solene plenário do Supremo uma antiga, verdadeira, indispensável e vergonhosa questão –a lentidão do processo judicial no Brasil e, por consequência, a escancarada vantagem dos réus famosos ou ricos que, patrocinados por advogados competentes, transformam questões processuais no cerne de cada julgamento, adiando-os até que se convertam em prescrição e impunidade.
Tivesse o Poder Judiciário enfrentado com eficiência a tarefa de reformar-se e teríamos uma celeridade que, impedindo a impunidade, permitiria o combate ao crime sem qualquer ofensa a julgamentos justos e legais. É a inaceitável demora enfrentada por todos os tipos de vítimas, principalmente se pobres, que empurra a opinião pública e setores do próprio Judiciário a apoiarem
procedimentos que no mínimo ficam nos limites do formalmente aceitável na anacrônica legislação atual.
Imagine-se que nossos onze ministros, elite e liderança do Judiciário, priorizassem nesta discussão uma imediata e profunda revisão da sistemática brasileira de recursos, fonte primeira da demora e da impunidade. O dia que isto for feito (apesar da oposiçäo em grande parte corporativista de advogados) sairemos da “narrativa binária” em que estamos atolados.
A escolha, enfim, não pode ser entre Lula e Lava Jato, não punir nunca ou punir qualquer forma. A maturidade democrática para qual o Brasil caminha precisa e merece uma opção mais rica – reformar o Judiciário.
Até que isto aconteça, veremos a repetição do que o Supremo nos oferece hoje. Os chamados garantistas ameaçados de passarem a história como defensores da impunidade. E combatentes da corrupção tratados como carbonários.
A decisão do Supremo, semana que vem, não terá vencedores. E vai agravar a “fulanização” do debate. Ao evitarem a questão real –por que se demora tanto a fazer Justiça– o Supremo Tribunal Federal corre o sério risco de ser vítima do próprio binário que construiu. Decisões “a favor ou contra Lula”, “a favor da impunidade ou contra o devido processo legal” não vão fortalecer o Supremo, contribuir para as instituições e muito menos resolver o problema real. Com elas, apenas ganharão os fabricantes de narrativas e os construtores de “diabos”.
Por Antônio Britto Filho, 66 anos, é jornalista, executivo e político brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do Estado do Rio Grande do Sul.