19/10/2019 16:35
Estando o Presidente da República prestes a realizar visita à República Popular da China, achei propício publicar o texto que segue, uma adaptação da palestra que proferi em Pequim, em setembro passado, no âmbito do fórum acadêmico Humboldt, que reúne universidades europeias e chinesas
Em 1971, quando ainda engatinhava como jornalista na editoria de Economia do Jornal do Brasil, no Rio, meu editor, Noênio Spínola, confiou-me a cobertura de dois ministérios importantes – os da Fazenda e do Planejamento -, uma vez que o repórter titular da área, o veterano Artur Aimoré, solicitara uma licença temporária.
Vivia então o Brasil uma trajetória de expansão econômica inédita (a média de crescimento do PIB foi de 11,1% ao ano, entre 1969 e 1973), com a inflação em declínio, investimentos em alta, e as exportações ao mesmo tempo se ampliando e se diversificando. Governava o País o General Emílio Garrastazu Médici.
Mas esses anos, do chamado ‘milagre brasileiro’, chegaram ao fim em outubro de 1973, quando nosso País foi atingido em cheio por um inopinado aumento de preços de petróleo imposto pela OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo): em apenas cinco meses, o preço do combustível quadruplicou.
Quando assumi a cobertura da área econômica do Governo para o JB, as relações entre o Brasil e a China eram inexistentes. Formalmente, haviam sido cortadas em 1949, quando Mao Tse-Tung proclamou a República Popular da China. Houve tentativas de reaproximação, sendo a mais conhecida a viagem do vice João Goulart à China, autorizada pelo presidente Jânio Quadros, convencido este de que um eventual reatamento de relações poderia trazer benefícios comerciais ao Brasil. Mas JQ abdicou em 1961, e Jango foi derrubado em 1964. E não se falou mais no assunto!
Mas naqueles primeiros anos de jornalismo, muito antes de meu ingresso na carreira diplomática, fui testemunha de interessante movimento de aproximação entre o Brasil e a China, que o passar do tempo daria relevância histórica.
Esse movimento teve origem não mais no setor governamental – onde a oposição ideológica mantinha a China na lista negra –, mas no segmento empresarial. A economia brasileira, que se industrializava e diversificava, precisava de novos mercados para seus produtos. Era o interesse nacional pedindo passagem, de mãos dadas com o pragmatismo que sempre acaba por se manifestar na gestão de nossa economia e de nossas relações internacionais.
Assim foi que naquele mesmo 1971, procurou o Ministro da Fazenda, Delfim Netto, o empresário Horácio Coimbra, CEO da Companhia Cacique de Café Solúvel. Coimbra tinha livre acesso na área econômica. Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Café (IBC), havia sido destituído do cargo em razão de supostas pressões norte-americanas para que o Brasil não entrasse no mercado de exportação de café solúvel, mas se limitasse apenas à exportação de grãos (detalhes no livro ‘A Guerra do Café Solúvel’, de Hélio Duque, 1970).
E o que queria Coimbra de Delfim Netto? Que o ajudasse a conseguir novos mercados para o solúvel. Em particular, um que parecia muito promissor: a China.
Coimbra, com o apoio de Delfim e do então ministro do Planejamento e Coordenação Geral, João Paulo dos Reis Velloso, conseguiu do presidente Médici o que parecia improvável: sua ida à China, em missão exploratória. O Itamaraty foi instruído a designar nosso cônsul em Hong Kong (Geraldo Holanda Cavalcânti) a tomar providências para conseguir um visto especial e a acompanhá-lo na jornada. Assim, seguiram os dois para Cantão, onde participaram de importante feira industrial e se encontraram com um subsecretário (Huang Ching-po) e com o gerente-geral da China Resources Company, Fong Hoc Yin. Em Pequim, foram recebidos por um vice-ministro do Comércio Exterior e outras autoridades do governo chinês.
Também em 1971 foi criada a Associação Brasileira de Exportadores (AEB), cuja instalação e posse (outubro) de seu primeiro presidente, Giulite Coutinho, cobri para o JB. Anos depois Giulite se tornaria conhecido do grande público, como presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), cargo que exerceu entre 1980 e 1986, mas sua visão em relação à China foi decisiva para a reaproximação entre os dois países.
Giulite era um dinâmico empresário da área de móveis, e estava convencido de que o Brasil precisava ampliar suas exportações industriais para ganhar competitividade. Com o apoio dos ministros Delfim Netto e Reis Velloso não teve dificuldades em conseguir o apoio presidencial para as missões que a AEB mandou à China em 1972 e 1973.
Em 1974 , já no governo de Ernesto Geisel, o Brasil – que na diplomacia, com Antônio Azeredo da Silveira adotara a bandeira do “pragmatismo responsável” – restabelecia as relações diplomáticas com a China, reconhecendo que o o Governo da República Popular da China é o único Governo legal da China.
Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China (Brasília, 15 de agosto de 1974)
O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China, em conformidade com os interesses e os desejos dos dois povos, decidem estabelecer relações diplomáticas em nível de Embaixadas, a partir desta data.
O Governo da República Federativa do Brasil reconhece que o Governo da República Popular da China é o único Governo legal da China. O Governo chinês reafirma que Taiwan é parte inalienável do território da República Popular da China.
O Governo brasileiro toma nota dessa posição do Governo chinês. Os dois Governos concordam em desenvolver as relações amistosas entre os dois países com base nos princípios de respeito recíproco à soberania e à integridade territorial, não agressão, não intervenção nos assuntos internos de um dos países por parte do outro, igualdade e vantagens mútuas e coexistência pacífica.
O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China concordam em trocar Embaixadores dentro do mais breve prazo possível e emprestar um ao outro toda a assistência necessária para a instalação e funcionamento das Embaixadas em suas respectivas capitais.
Brasília, em 15 de agosto de 1974
Pelo Governo da República Federativa do Brasil Antonio F. Azeredo da Silveira Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil
Por Pedro Luiz Rodrigues é jornalista e Embaixador aposentado. Atualmente é o Secretário de Relações Internacionais do Governo do Distrito Federal. Escreve este artigo em caráter pessoal.