Opinião – Reforma da desigualdade

22/10/2019 14:32

”O texto em apreciação no Senado Federal não ataca os reais problemas de desequilíbrio fiscal, penalizando aquela parcela da população com mais dificuldades…”

A votação em 2º turno da reforma da Previdência no Senado Federal está prevista para essa semana. E o texto a ser votado continua perverso para a imensa maioria da população brasileira em tempos de aprofundamento das mazelas sociais e aumento da distorção de renda entre a população economicamente ativa. À notícia de que o Brasil possui 58 bilionários que acumulam uma fortuna de US$179,7 bilhões, segue-se a apuração de uma desigualdade social recorde pelo IBGE.

Em números, significa dizer que 10% dos trabalhadores mais humildes detêm apenas 0,8% da massa de rendimento mensal real do trabalho realizado no país, estimado em R$ 201 bilhões em 2018. Já os 10% mais ricos concentram cerca de 43% desse montante. Dados do IBGE mostram que 2,1 milhões de brasileiros ganham em média R$ 27 mil mensais frente a 100 milhões de compatriotas que sobrevivem com R$ 820 por mês.

As assimetrias sociais e econômicas seguem crescendo e a aprovação do atual texto da reforma da Previdência contribuirá para o aumento desses indicadores. São aproximadamente 13 milhões de pessoas desempregadas, perto de 12% da população, e muitos dos que possuem ocupação estão em situação precária, trabalhando na informalidade ou de forma terceirizada, desprovidos de direitos e dependentes unicamente dos seus instrumentos de trabalho. É o que chamam de “uberização” da vida laboral.

O texto da reforma da Previdência é especialmente perverso nos critérios para concessão da aposentadoria por idade para aqueles com pouco tempo de contribuição, realidade presente nas regiões Norte e Nordeste do País. Essa medida tem impacto direto na economia dos pequenos municípios, retirar-lhes este dinheiro é estimular a pobreza em locais com poucas oportunidades de geração de emprego e renda.

É preciso levar em conta que nos Estados e municípios mais pobres da federação uma grande parte dos trabalhadores não conseguem contribuir para a Previdência Social por longos períodos devido às limitadas oportunidades de trabalho, muitos deles de baixa qualificação profissional e remunerações modestas. Aliado a isso vem a informalidade, obrigando as pessoas a trabalharem sem garantias e desprovidas de direitos, sem acesso ao FGTS e sem recolhimento das contribuições previdenciárias.

Não fica difícil vislumbrar que o aumento das desigualdades apontados nos índices sociais, somado à aprovação do texto atual da reforma da Previdência, criará um círculo vicioso de pobreza e estagnação econômica, trazendo ainda mais problemas para o Brasil. A falta de oportunidades e as condições precárias de empregabilidade têm reflexo em áreas como segurança e saúde pública, por exemplo.

Estudo conduzido pela Unicamp estima que com a aprovação da reforma da Previdência do jeito que está, cerca de 4 milhões de pessoas serão empurradas para a pobreza, em um país com 55 milhões de pobres. Isso equivale às populações de Belo Horizonte e Porto Alegre somadas.

Nós reafirmamos ser necessária uma reforma previdenciária para equilibrar as contas. Entretanto, o texto em apreciação no Senado Federal não ataca os reais problemas de desequilíbrio fiscal, penalizando aquela parcela da população com mais dificuldades para se manter no emprego e com as menores remunerações. É esta parcela quem mais depende da Previdência Social e transferência de renda. Não é justo deixar que recaia sobre as costas dela todo o esforço para o equilíbrio das contas previdenciárias.

 

 

 

Por Randolfe Rodrigues, 45, é senador da República (Rede/AP). É professor, graduado em história, bacharel em Direito e mestre em políticas públicas.

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