Opinião – Pandemia e Pandemônio jurídico

07/05/2020 00:30

”Plenário julga constitucionalidade de MPs do governo. Vivemos tempos excepcionais; direito deve se adaptar; STF precisa proteger emprego”

O governo federal acaba de apresentar o maior programa de proteção ao emprego já visto no país, mas há quem aponte inconstitucionalidade no mecanismo de negociação individual. O argumento é raso: a Constituição só autoriza redução salarial, mesmo que proporcional à redução da jornada, se houver negociação com o sindicato.

Mais que proteger a economia, as Medidas Provisórias 927 e 936 viabilizam o isolamento para proteção da vida e aliviam as consequências sociais e econômicas.

Mais que nunca é necessária a adaptação do direito à realidade. O direito não é neutro. A lei deve ser útil à sociedade na prosperidade e na catástrofe e, para isto, existem técnicas interpretativas reconhecidas pelos mais importantes juristas. Normas de difícil ou impossível cumprimento em tempos de isolamento, principalmente nas pequenas e microempresas, invisíveis para os sindicatos, são inúteis.

A lógica interpretativa dessas normas não é e não pode ser a usual. Em tempos excepcionais, a interpretação é a de exceção.

A Constituição tem dimensão transcendental que ilumina e inspira o ordenamento jurídico. Deve-se promover cuidadosa articulação dos direitos sociais com outros princípios e normas constitucionais. A irredutibilidade salarial não se sobrepõe ao artigo 196 da Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Ao analisar essas normas, deve-se adotar a hermenêutica dos princípios, mediante a compreensão de sua totalidade. Não se pode esquecer que se trata de um documento mais político que jurídico e, por isto, repele interpretações reducionistas.

É inadequada a pecha de inconstitucionalidade apressadamente lançada sobre as recentes medidas provisórias, que, com toda a razoabilidade, admitem a redução de salários mediante acordo direto entre patrão e empregado. Ainda mais quando se sabe que a preservação da saúde e do emprego são valores maiores e, portanto, a situação mais benéfica para o trabalhador.

É claro que se recomenda a negociação coletiva, quando viável, mas jamais pode ser vista como a única alternativa. A MP 936 traz em seu artigo 12 inteligente mecanismo ao apenas exigi-la para trabalhadores com maior perda de renda.

Tudo agora se agrava diante de decisões aparentemente contraditórias no Supremo Tribunal Federal. De um lado, o ministro Marco Aurélio de Mello, ao rejeitar o pedido liminar na ADI 6343, contextualizou a MP 927 e concluiu que “descabe, no que ficou prevista a preponderância do acordo individual escrito, (…) assentar, no campo da generalidade, a pecha de inconstitucionalidade”. De outro, ao examinar mecanismo análogo da MP 936, concluiu o ministro Ricardo Lewandowsni na ADI 6363 que a possibilidade de acordo individual “parece ir de encontro” a certos dispositivos da Constituição.

O pronunciamento do pleno do STF quanto aos temas é urgente. Na impossibilidade ou dificuldade de negociação de alternativas, as demissões são a saída fácil para muitas empresas, ou talvez a única.

Por fim, encontram-se na legislação normas estabelecendo que,  “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” e de que o preenchimento de lacunas deve ser feito com a atenção para que “nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.

O momento exige racionalidade política, econômica e jurídica.

 

 

Por Luiz Carlos Amorim Robortella, 73 anos, doutor em direito do Trabalho pela USP, membro da Academia Ibero-Americana de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

 

 

 

 

Por Antonio Galvão Peres, 41 anos, doutor e mestre em direito do Trabalho pela USP, membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e membro do Conselho Superior de Relações de Trabalho da Fiesp.

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