14/05/2020 17:19
”O e-commerce tem amparado os estabelecimentos a manterem algum nível de faturamento durante a crise de saúde. Vendas remotas apoiam o varejo; redução dos juros é outro fator”
O comércio varejista registrou em março queda de 2,5% no volume de vendas em comparação a fevereiro. Os dados foram divulgados pelo IBGE na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC). Em relação ao mesmo período do ano passado, a redução nas vendas do varejo restrito (sem materiais de construção e veículos) foi de 1,2%.
Em ambas as bases de comparação, os resultados foram melhores do que as medianas do mercado (-4,7% e -3,6% respectivamente), de acordo com as projeções da Agência Estado (AE). As vendas acumuladas no ano apontam ainda crescimento de 1,6%, e em 12 meses, de 2,1%. Os resultados mensais ruins poderiam ser piores, não fossem alguns fatores que estão ajudando o comércio nessa crise.
A despeito de o varejo restrito ter sido beneficiado pelo aumento nas vendas de bens essenciais dos grupos de supermercados (+14,6%) e de produtos farmacêuticos (+1,3%), no conceito ampliado, a queda nas vendas de automóveis (-36,4%) pesou no resultado de março (-13,7%). Esta taxa negativa do varejo ampliado é, entretanto, também menor do que a mediana calculada pela AE (-14,3%).
As perdas de receita do comércio nas últimas semanas em função da pandemia representam um prejuízo de quase R$ 125 bilhões, de acordo com a CNC (Confederação Nacional do Comércio). Com a adoção do isolamento social, o comércio presencial foi fortemente impactado nas primeiras semanas da crise.
No entanto, o comércio apresenta um dinamismo peculiar em comparação aos demais setores da atividade econômica. Os canais de venda digitais –o e-commerce– e as vendas por delivery estão amparando os estabelecimentos a manterem algum nível de faturamento. O indicador de confiança dos comerciantes de abril, também calculado pela CNC, havia antecipado esse contexto.
O Índice de Confiança do Empresário do Comércio (ICEC) atingiu 120,8 pontos no mês passado, uma redução de 7,8 pontos em relação ao índice de março. Apesar de menos confiantes, os comerciantes ainda mantém algum otimismo, pois o indicador encontra-se acima dos 100 pontos do corte de indiferença. A involução da confiança dos comerciantes nos dois últimos meses está ainda melhor do que em comparação aos indicadores antecedentes de outros setores, como a indústria.
Não apenas as vendas por meio remoto estão apoiando o varejo durante o confinamento decretado em quase todo o país, mas a inflação oferecido uma folga na renda das famílias. As variações negativas em diferentes componentes dos índices de preços fazem com que a inflação corrente seja o menor dos problemas da economia no contexto atual. Tanto é que está oferecendo largo espaço para quedas mais expressivas e necessárias da Selic. Além disso, as expectativas para inflação neste ano e no ano que vem estão abaixo do piso da meta.
A redução dos juros dentro do pacote de medidas de expansão monetária é outra iniciativa para socorrer a economia e o comércio durante a crise. O crédito está mais barato aos consumidores e às empresas, o que também favorece o varejo neste momento, apesar do endividamento elevado.
No entanto, vale notar que são necessárias algumas medidas para que os recursos efetivamente cheguem aos tomadores e consigam resgatar aqueles que precisam. Entre elas: o alongamento dos prazos de pagamento e um esquema de garantias reais pelo Tesouro. Isso reduzirá os riscos nos balanços das instituições financeiras e pressioná-las a emprestar.
A ancoragem da política fiscal pela manutenção do teto dos gastos, mesmo no ambiente de retração da atividade, é ainda mais um fator que favorece o comércio. O avanço das despesas é necessário e está ocorrendo durante a pandemia, o que leva ao aumento da dívida pública. Por outro lado, os juros menores reduzem o serviço da dívida. Para garantir a recuperação da confiança dos agentes, e dos investimentos do comércio e dos outros setores, a agenda de reformas deve ser retomada após o fim da crise de saúde.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).