03/08/2020 00:47
”Expansão do uso do gás natural esbarra nos custos para construção de gasodutos. Berkshire Hathaway investe em gás e mira retorno já no curto prazo”, analisa Rodrigues
No início do mês, a Dominion Energy, 2ª maior empresa de energia norte-americana em valor de mercado, vendeu praticamente todos os seus ativos de armazenamento e transporte de gás natural para a Berkshire Hathaway, empresa do investidor Warren Buffett. Os ativos, no valor de US$ 4 bilhões, incluem cerca de 18.829 quilômetros de gasodutos e de diversas unidades de armazenamento. Essa aquisição ocorreu, num momento de muita discussão ambiental nos Estados Unidos com relação à construção de novos gasodutos e ao desincentivo ao uso de combustíveis fósseis. Será que o mago de Omaha está investindo numa indústria do passado?
Do início ao fim do século 19, a construção de gasodutos foi pensada somente para iluminar as cidades por meio de lâmpadas a gás. Porém, foi no século 20, durante a 2ª Guerra Mundial que o então presidente Franklin Roosevelt viu no gás natural uma alternativa de combustível em razão do racionamento de petróleo causado pela guerra. A partir daí, a construção de gasodutos efetivamente ganhou força.
Durante todo esse período e mais recentemente turbinado com o surgimento da indústria do Shale Gas, os Estados Unidos se tornaram uma potência quando o assunto é produção e exportação de gás natural e consequentemente no desenvolvimento da infraestrutura de dutos. Hoje o país possui mais de 4 milhões de quilômetros de gasodutos.
Hoje o consumo de combustíveis fósseis vem sendo questionado e perdendo força, em particular no mundo pós-pandemia. Se o século 20 foi marcado pela indústria do petróleo, o século 21 vai ser marcado pela eletrificação, com o uso de fontes renováveis e o gás natural será a porta de entrada para essa transição. Principalmente para a geração de energia elétrica, o gás natural veio ganhando espaço da matriz energética mundial. Mesmo sendo um combustível fóssil, o gás natural não é tão poluente em emissão de gases do efeito estufa quando queimado como o petróleo, além de não emitir particulados no ar como o carvão e ser complementar a gerações renováveis como a solar e eólica, dando segurança e resiliência ao sistema elétrico. Dadas essas características e por ser abundante e barato, ele se tornou o combustível de transição para um futuro com zero emissões. A grande questão que se levanta é até quando vamos viver em um mundo de transição energética?
De um lado, ambientalistas estão fazendo pressão para desincentivar o consumo de qualquer combustível fóssil, inclusive o gás natural, acelerando a transição para um mundo com uma matriz 100% limpa. A estratégia passa por dificultar a construção de novos dutos, como aconteceu, recentemente, com o gasoduto na costa do Atlântico. Devido aos diversos atrasos e incerteza nos custos, apesar de uma decisão favorável da Suprema Corte norte-americana, o projeto foi abortado. Segundo a Dominion Energy, dona do projeto, permissões para a construção de infraestrutura de gás natural estão se tornando cada vez mais “litigiosas, incertas e custosas”.
De outro lado, muitos defendem que a transição é um fato, mas o mundo com zero emissões não é o de amanhã. A principal dificuldade são a tecnológica e os custos. Apesar da geração de energia renovável, o uso de baterias, projetos de geração descentralizado e até o uso de IOT (Internet Of Things) no gerenciamento eficiente de redes elétricas já serem uma realidade, o custo ainda é uma barreira a ser enfrentada. Ou seja, o mundo com zero emissões de carbono não vai acontecer por uma imposição da sociedade. Novas tecnologias, o barateamento de custos e a economia vão fazer esse trabalho.
Em ambos os cenários, o gás natural ainda possui um papel extremamente relevante e importante na matriz energética mundial. A substituição de 100% das plantas a carvão, o uso do gás como uma espécie de bateria virtual para a expansão, com segurança energética das fontes renováveis como a eólica e a solar e a conversão de motores a combustão a gasolina e diesel para gás natural seriam um grande movimento a favor de um mundo descarbonizado. Nessa certeza da transição energética por meio de um caminho um pouco mais longo que Warren Buffett decidiu aumentar de 8% para 18% sua participação no total de gasodutos de transporte norte-americano. A visão da Berkshire Hathaway no investimento pode ser muito mais sofisticada e ambientalmente responsável do que a lógica simplista de que gasodutos estão ligados a uma indústria do passado.
No curto prazo, os gasodutos de transporte vão trazer excelentes retornos. Num país onde o consumo e oferta de gás ainda são altos e novos gasodutos não podem ser construídos, a demanda pelos gasodutos existentes vai aumentar e os atuais dutos vão trabalhar mais cheios, transportando gás através do país e aumentando os retornos do investidor.
No médio prazo, Warren Buffett, por meio de um acordo de U$ 10 bilhões vai contribuir para geração de energia limpa firmando uma parceira com Smithfield Foods, maior produtora mundial de carne suína, para produção de biogás. De acordo com o plano, a Dominion retirará o biocombustível dos digestores anaeróbicos, transformar em biometano e injetará nos dutos de transporte e o venderá para clientes que desejam reduzir suas pegadas de carbono. Os volumes do acordo giram em torno de 226,5 milhões de m³ por ano de biogás –evitando, dessa forma, as emissões equivalentes a 3,5 milhões de toneladas por ano de CO2.
No longo prazo, os gasodutos podem ter um papel muito relevante no desenvolvimento comercial do hidrogênio como fonte de energia. Os projetos mais avançados do uso do combustível como fonte complementar a geração solar e eólica, estudam o uso dos gasodutos, infraestruturas já amortizadas, para o transporte e distribuição do hidrogênio barateando a logística do produto. Os desafios para o desenvolvimento da tecnologia ainda são grandes, mas os gasodutos existentes têm se mostrado essenciais na redução dos custos.
Parece, que mais uma vez, Warren Buffett está sendo visionário vendo diversos motivos no curto, médio e longo prazo para investir na infraestrutura de transporte de gás natural. Os combustíveis fósseis poderão não fazer mais parte de matriz energética mundial em algum momento, mas os gasodutos, continuarão existindo e poderão ser muito úteis para alcançarmos um mundo com energia 100% limpa.
Por Pedro Rodrigues, 32 anos, é advogado, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura e sócio-fundador do CBIE Advisory. Idealizador e apresentador do Canal Manual do Brasil.