14/08/2020 00:01
Autores rebatem Xico Graziano mostrando lado nefasto de transgenes: ”milho transgênico traz riscos ainda não estudados suficientemente”, alertam ex-membros do CTNBio
Bom texto, escrito por Bela Gil, que embora não careça de quem a defenda, foi recentemente criticado de forma desproporcional. A crítica se estende a questões científicas que entendemos merecedoras de esclarecimentos.
O uso de produtos de descobertas da civilização humana, como os da Tecnologia do DNA recombinante (as variedades transgênicas, por exemplo), por gerarem efeitos adversos não previstos, interessa a todos. Neste sentido, é louvável o esforço de Bela Gil, que contribui para a desmistificação de ilusões apoiadas em cuidadosas campanhas de marketing, ofensivas à cultura e a soberania nacional.
Afirmou Bela Gil que o cultivo do milho transgênico empobrece o solo, desmata o Cerrado, converte os biomas brasileiros em monoculturas, estimula a fome mundo afora e que inexistem estudos que garantam sua segurança nutricional. Sobre estas afirmativas, leitor crítico afirma que “jamais vi um ataque tão esdrúxulo, e mentiroso…”.
A literatura científica não só dá suporte às afirmativas como também demonstra outros efeitos tão ou mais perversos do que os citados por Bela Gil. O milho transgênico excreta no solo uma quantidade de 4 a 16.000 vezes maior de toxinas com função inseticida do que microrganismos de solo. Isso altera a dinâmica, a qualidade e a diversidade da microbiota, comprometendo a fertilidade do solo. Igualmente, o avanço das lavouras transgênicas se dá em áreas desmatadas do Cerrado, da Amazônia, dos campos sulinos e outros biomas. Recente publicação internacional ilustra o avanço da pecuária e de lavouras do agronegócio em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia e no Cerrado.
Embora ocorra aumento na produção de milho, soja e carne, isto traz redução na oferta de alimentos básicos e, em paralelo, a ampliação no número global de famintos. Além disso, Bela Gil está correta ao afirmar que os estudos sobre as variedades transgênicas são controversos, que eles não garantem a segurança alimentar e contribuem para o empobrecimento da dieta. De fato, as cultivares transgênicas são derivadas de variedades desbalanceadas nutricionalmente. Além disso, os grãos de milho transgênico contêm resíduos de inseticidas, toxinas e herbicidas em proporções superiores aos colhidos em outros sistemas agrícolas, notadamente aqueles envolvendo práticas de base agroecológica.
Dentre os herbicidas usados nas variedades transgênicas, aqueles à base de glifosato e 2,4 D têm também função de desreguladores endócrinos, associados diversas doenças, incluindo autismo e câncer.
Não importa a razão da tentativa de caluniar como mentiroso o artigo de Bela Gil. O mais relevante, conforme aponta a cozinheira, está no controle e no patenteamento das sementes geneticamente modificadas (GM). Ela percebe o quão triste é a situação de um país onde as safras de milho e soja precisam da autorização de meia dúzia de megaempresas detentoras da tecnologia para serem cultivadas e comercializadas. Um país onde os pequenos agricultores não podem manter suas sementes, onde as sementes crioulas estão sendo contaminadas com genes que comprometem suas qualidades e relações com a cultura local. Também é estarrecedor verificar o desconhecimento de pessoas, incluindo agrônomos, a respeito da erosão genética reconhecida pela própria FAO; trata-se de algo imposto também às variedades de milho no Brasil.
Em outras palavras, a degradação ocorre e se amplia por meio de mecanismos que estimulam o avanço de uma tecnologia totalitária, que não coexiste pacificamente com as demais. A pamonha e a polenta perderam o gosto, e os solos tendem a ser esterilizados pelo uso massivo de agroquímicos aplicados sobre as plantas transgênicas, bem como pela secreção de toxinas, nas plantas Bt.
Embora Bela Gil não tenha citado, a inserção de transgenes não afeta positivamente a produtividade. Os eventuais ganhos em rendimento nas lavouras transgênicas, que carregam eventos transgênicos (cp4Epsps, pat, dmo, e assim por diante) não resultam da presença dos transgenes, mas se devem a trabalhos tradicionais decorrentes de melhoramento genético que envolve distintas constelações de genes que operam em resposta às variações ambientais. As plantas transgênicas podem ser mais produtivas, ao longo do tempo, porque os transgenes são inseridos em variedades previamente melhoradas para ganho de produtividade.
Por serem aptas a ver receber cargas maiores de agrotóxicos, podem evitar reduções no rendimento potencial, em determinadas circunstâncias, mas o custo econômico e socioambiental dos agrotóxicos não pode ser desconsiderado. Simples assim: segundo dados do IBGE e o Ibama, o consumo de agrotóxicos aumentou duas vezes e meia mais do que a área plantada no período de 2010 a 2018.
Como a CTNBio não avalia os efeitos dos agrotóxicos associados às variedades transgênicas, os impactos dos agrotóxicos têm sido analisados em separado dos transgênicos. Contudo, eles são concomitantes em lavouras transgênicas. Por outro lado, variedades que contêm dois ou mais transgenes (empilhamento ou piramidação de transgenes), ampliam os custos dos cultivos. Sementes mais caras induzem os agricultores a, necessariamente, ampliar a área de cultivo. Com isso cresce o uso de agrotóxicos, favorecendo seleções negativas que levam a superpopulações de insetos e ocorrência massiva de patógenos. As implicações são conhecidas: exclusão social no campo, ocupação de áreas destinadas ao cultivo de produtos destinados à alimentação básica, morte de ocupantes tradicionais, queimadas e, pasmem: arranjos parlamentares para alterações de bases legais, que permitam “legalizar” crimes contra o Brasil.
E sim, uma planta transgênica que empilha genes exógenos que conferem tolerância aos herbicidas a base de 2,4-D, glifosato, glufosinato de amônio e isoxaflutole, compromete a vida do solo, onde vier a ser cultivada. Induzirá ainda a misturas destes venenos, no tanque dos pulverizadores, o que compromete mais do que a saúde do solo e dos consumidores dos grãos colhidos.
Os novos milhos transgênicos, ao induzirem a misturas de herbicidas, levam a aplicações de caldas tóxicas sobre as quais pouco sabemos. Todos os gestores das agências regulatórias sabem que a ciência não tem elementos para avaliar todos os riscos das misturas de agrotóxicos para a saúde humana, animal e ao meio ambiente. Os poucos estudos que existem não cobrem os possíveis efeitos da toxicidade das misturas, porque as combinações são infinitas e a susceptibilidade dos organismos também é variável.
Não é ameaçador? Aquele milho GM, assim como tantos outros, como a soja e o algodão geneticamente modificados, cultivados em sucessão, trazem riscos ainda não estudados suficientemente. Bela Gil está certa, o agrônomo está blefando.
Nestes tempos de “fake news”, é melhor consultar a literatura científica.
José Maria Gusman Ferraz, biólogo, 69 anos, doutor em Ecologia, professor da Pós graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente da UNIARA -SP e professor convidado do LEIA- Unicamp. Ex pesquisador senior da Embrapa Ex membro da CTNBio.
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Leonardo Melgarejo, 66 anos, agrônomo, MsC Economia Rural, Dr Engenharia de Produção, professor do PPG Agreoecossitemas, UFSC. Coordenador Adjunto do Fórum Gaucho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Ex-membro da CTNBio.
Paulo Brack, 60 anos, biólogo, mestre em Botânica (UFRGS) e doutor em Ecologia (UFSCar), professor do Instituto de Biociências da Ufrgs. Ex-membro da CTNBio.
Rubens Onofre Nodari, 69 anos, é Agrônomo e Doutor em Genética, Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina, ex-membro da CTNBio e ex-Gerente de Recursos Genéticos do MMA.