21/01/2021 11:11
Famílias estão arcando com dívidas
Com reformas: economia controlada
Com a pandemia da Covid-19, o governo teve o dever de estabelecer o distanciamento social e o fechamento dos estabelecimentos não essenciais. Essas medidas provocaram o aumento do desemprego, em que trabalhadores autônomos e informais foram rápida e fortemente prejudicados. Para suavizar esse efeito negativo, em abril de 2020 o governo passou a disponibilizar um auxílio emergencial para a parcela da população mais afetada. A última parcela do benefício foi definida para dezembro, mas muitos especulam se ele deve ser estendido nesse início de 2021, quando a pandemia se agrava no país e no mundo.
Os dados econômicos mais recentes questionam a necessidade premente de continuar com o auxílio. Essa necessidade é ainda confrontada pela falta de espaço fiscal para nova rodada de ampliação de gastos nesse momento.
Vale destacar que ainda em janeiro pelo menos 20 milhões de pessoas receberão o benefício, ou seja, metade do total de beneficiários, aqueles nascidos entre julho e dezembro, que entraram no último calendário de repasses. Isso deve dar algum fôlego ao varejo no início do ano.
Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de família endividadas encerrou 2020 em alta, houve crescimento mensal da contratação de dívidas pelas famílias em dezembro, mas o indicador ficou abaixo da média para o ano.
Contudo, o mais importante a se notar é que este incremento na proporção de endividados não foi acompanhado do aumento no percentual de famílias com contas em atrasado, nem mesmo das que afirmam que não terão condições de pagar suas dívidas. Ao contrário, ambos os indicadores de inadimplência têm progressivamente se reduzido desde agosto, e fecharam 2020 em tendencia de queda.
As famílias estão conseguindo arcar com contas e dívidas com seus próprios recursos, revisando e controlando os orçamentos, mesmo com pressões inflacionarias principalmente nos alimentos, em um processo de maior conscientização em relação aos gastos pessoais. O benefício emergencial sem dúvidas favoreceu essas famílias na manutenção de algum nível de consumo, e na quitação dos compromissos financeiros, mas a organização das finanças domésticas é um dos fatores a serem também considerados no quadro de maior endividamento e menor inadimplência.
Nunca é excessivo lembrar que, para mitigar o risco de explosão na inadimplência, devemos seguir ampliando o acesso ao sistema financeiro com custos baixos, e principalmente alongar os prazos de pagamento das dívidas. Essas iniciativas apoiam o maior controle do orçamento pessoal e devem fazer o crédito ganhar ainda mais protagonismo no crescimento do consumo e da economia em 2021.
A CNC também calcula o indicador de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), que está em uma trajetória crescente desde setembro do ano passado. Os consumidores têm mostrado maior propensão a comprar e mais confiança na recuperação econômica. Em janeiro, além do indicador ter evoluído positivamente, também alcançou o maior patamar desde maio de 2020, ostentando valores cada vez mais próximo do nível pré-crise.
O setor de serviços está se recuperando das taxas negativas registradas durante a crise, com crescimento de 2,6% em novembro de 2020, o sexto resultado positivo consecutivo. Esse avanço no setor é corroborado pelas contratações temporárias. A modalidade de trabalho temporário gerou mais de 2 milhões de vagas em 2020 e 25% delas eram de profissões relacionadas aos serviços. Vale lembrar que as contratações temporárias são importantes ao setor, pois a maior demanda por mão de obra reflete o aquecimento da atividade, que tem seus períodos normais de sazonalidade.
A agricultura é outro setor que deve auxiliar a economia brasileira. A colheita brasileira de grãos deverá atingir novo recorde em 2021, produzindo 260,5 milhões de toneladas no ano. Caso essa estimativa se realize, a produção representará um aumento de 2,5% em relação à safra de 2020, que já tinha sido recorde com aumento de 5,2% em comparação a 2019.
Outro fator que leva a crer que os consumidores conseguirão se recuperar sem precisarem do auxílio é o aumento da chamada poupança precaucional observada em 2020. Os brasileiros sentiram a insegurança da crise sanitária e montaram suas próprias reservas financeiras. Em 2020, a captação líquida da poupança foi de R$ 166,31 bilhões, acima dos R$ 13,33 bilhões captados em 2019, tornando-se largamente o maior resultado da série histórica, iniciada em 1995.
Todos esses fatores corroboram a tese de que a recuperação pode continuar, mesmo que em menor ritmo, sem o auxílio. É claro que, caso haja uma onda ainda mais intensa da crise, ou o calendário de vacinação não seja estabelecido para logo, o auxílio pode vir a ser importante, mas não é o que se espera que aconteça. Pelo contrário, a expectativa é de que o PIB cresça cerca de 3% este ano, sem que haja novos repasses de benefícios emergenciais.
O que é essencial para sustentar a recuperação não é necessariamente o auxílio, mas o compromisso com o teto dos gastos. A dívida pública em reais aumentou durante a crise, mas o país está conseguindo rolar a dívida e ela não representa problemas, desde que se respeite o teto. Afinal, todos os países no mundo tiveram que aumentar suas despesas nesse período. Para que a dívida volte a um nível controlado, no entanto, é fundamental que sejam aprovadas as reformas em análise.
A necessidade de manter o teto faz com que o Brasil precise controlar seus gastos, fazendo com que a continuidade do auxílio emergencial ocasione mais problemas do que benefícios. Uma das estratégias do governo para amenizar os impactos do fim do auxílio no início desse ano é a antecipação do 13º salário dos beneficiários do INSS.
Havíamos sugerido essa medida em artigo publicado recentemente nesta revista, ela deverá ampliar os gastos dos consumidores em R$ 37 bilhões, cerca de R$ 20 bilhões da primeira parcela do 13º salário para aposentados e pensionistas, e R$ 17 bilhões do abono salarial. Esses números projetados pela CNC representam cerca de 15% do total pago pelo auxílio emergencial desde o início da pandemia.
A economia brasileira está conseguindo se recuperar também porque a taxa Selic está muito baixa, 2%, o menor nível histórico. Para que a economia tenha os resultados positivos esperados é importante manter a Selic baixa no contexto em que ainda há predomínio de ociosidade na atividade. O controle da inflação é igualmente importante, mas em 2021 não se esperam maiores pressões como as vistas no fim do ano passado.
A alta dos preços das commodities apoiada pelo fortalecimento do dólar ajudam a elevar a renda no Brasil. O dólar subiu ainda mais em razão do overhedge, porém deve terminar este ano em torno de R$ 5,00, já que a política monetária americana deve continuar expansionista. A recuperação econômica americana também terá grande efeito sob a trajetória da Selic no Brasil, já que o governo vem respeitando o teto de gastos, o que tende a manter os juros internos sob controle.
As estimativas são de que a Selic encerre o ano entre 2,5% e 3%, e a inflação em 3,5%, isso se não houver auxílio. A inflação deve ser mais influenciada pela demanda chinesa por alimentos, pois internamente a demanda no Brasil não deve ser suficientemente alta para puxar a inflação, lembrando que ainda temos capacidade ociosa. Portanto, não há razão para temer a inflação fugir do controle, apenas se o auxílio for prorrogado, nesse caso, ela pode ficar acima de 4% em 2021.
Se o governo fizer as reformas, principalmente a PEC Emergencial, e mantiver o teto, não terá problemas e a economia estará sob controle, com algum crescimento resguardado. Com essas medidas, não haverá necessidade de preocupações, pois o Brasil é um dos poucos emergentes que conseguiu uma recuperação em V, além de se beneficiar por ser credor líquido em dólares.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).