Opinião – O Brasil ainda precisa do Programa de Manutenção de Emprego

25/01/2021 15:45

Programa foi encerrado em dezembro
Poderia ser extendido pelo 1º semestre

Carteira de Trabalho, Carteira assinada, Emprego. Brasilia, 03-09-2018. Foto: Sérgio Lima/Poder 360

No último artigo publicado, argumentamos sobre a descontinuidade do auxílio emergencial em 2021, principalmente pela falta de espaço fiscal para renovação desses gastos. O benefício emergencial foi importantíssimo para a recuperação da economia em forma de V, mas com déficit primário de R$ 700 bilhões até novembro (ante R$ 80 bilhões no mesmo período de 2019), e sem as possibilidades de flexibilização de despesas fornecidas pelo Orçamento de Guerra, a manutenção de outras medidas ainda mais relevância, no contexto de recrudescimento da pandemia: o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

O programa foi instituído pela medida provisória 936, e ofereceu às empresas um conjunto de medidas trabalhistas, as quais vigoraram durante o período de calamidade pública. Resumidamente, o governo federal pagou aos trabalhadores o BEm (benefício emergencial de preservação do emprego e da renda), nos casos em que empregador e empregado acordaram a suspensão do contrato de trabalho ou a redução da jornada com diminuição proporcional dos salários.

O valor do BEm foi calculado pelo Ministério da Economia com base nas informações salariais do trabalhador dos últimos três meses, correspondendo a um percentual do Seguro-Desemprego a que o trabalhador teria direito caso fosse demitido. O valor ficou entre cerca de R$ 260,00 e R$ 1.800,00, conforme o tipo de acordo e o percentual de redução negociado com o empregador.

Vale destacar que o BEm é voltado às pessoas com vínculo empregatício, portanto, atende público diferente daquele contemplado pelo auxílio emergencial, destinado principalmente aos trabalhadores informais e beneficiários do Bolsa Família.

A empresa manteve o vínculo provisoriamente, e o trabalhador a garantia do emprego e parte da sua renda durante a pandemia. Segundo o Ministério da Economia, foram preservados 20.118.871 empregos através de acordos celebrados, envolvendo 9.849.118 trabalhadores, e 1.464.838 empresas. Sem essa possibilidade, esses quase 10 milhões de trabalhadores poderiam se somar aos mais de 14 milhões de desempregados atualmente no país

Pela ótica do Caged, os fluxos de admissões e desligamentos têm gerado saldos positivos de vagas de trabalho formais, mostrando que o país ao final de 2020 recuperou os mais de 1,5 milhões de postos fechados durante a pandemia, especialmente em abril e maio.

Já a taxa de desocupação medida pelo IBGE, na Pnad Contínua, alcançou 14,3% da população ocupada, no trimestre encerrado em outubro de 2020, ou pouco mais de 14 milhões de pessoas na força de trabalho sem emprego. Fora da força de trabalho, ou como podemos também falar, na inatividade, são mais de 77 milhões de pessoas. Parte delas não procurou emprego por força da pandemia, e pode ainda migrar para a força de trabalho incrementando a desocupação.

Os números mostram que, mesmo com a recuperação em forma de V da economia, não somente o mercado de trabalho está ainda enfraquecido, mas as condições para a plena recuperação também estão em xeque, com o agravamento da crise sanitária e um cronograma de vacinação pouco claro à população geral.

O fim do Programa de Manutenção do Emprego e do BEm, coincide com perspectivas negativas sobre o PIB no primeiro trimestre de 2021, que poderá cair até 1%. Nessas condições e sem o auxílio emergencial, seria muito importante o BEm ser temporariamente retomado para minimizar o desemprego nesse começo de 2021.

O Programa foi admirado por outros países, os quais não adotaram instrumento semelhante. Logo, o Brasil poderia retomar no primeiro semestre de 2021, dentro das condições do orçamento, pois neste caso, diferentemente do auxílio emergencial, os encargos acabam sendo “divididos” com os empresários, sendo certo que a manutenção do emprego é o foco. Como a segunda metade do ano é sazonalmente melhor para a atividade, o programa poderia ser encerrado à frente. O importante é que seja feito dentro do teto dos gastos.

Alguns recursos podem ser aproveitados para dar fôlego temporário ao BEm. O BNDES deve ao Tesouro mais de R$ 150 bilhões, e poderia fazer esse aporte nesse princípio de ano. O banco já vendeu grande parte de sua carteira, não tendo capacidade de emprestar como no passado, principalmente quando passou a operar com a TLP, em detrimento da TJLP, que também facilitava os desembolsos. Hoje, o BNDES tem participado em algumas operações, mas com as taxas de juros longas subindo, a TLP também tem subido, reduzindo a competitividade do Banco.

Os bancos privados estão altamente líquidos, e podem fomentar o crédito no lugar do BNDES, para empresas que ainda recebem recursos do Banco de Desenvolvimento. O BNDES, como ainda tem dívida alta com o Tesouro, deveria concentrar-se no papel de agente de negócios de longo prazo.

Outro aspecto influenciará o nível de emprego nos próximos meses, além da expectativa de redução do PIB no primeiro trimestre: o aumento da Selic em breve. O aumento dos juros já está contratado para esse ano, mas os modelos do Bacen (Banco Central) indicam alta da Selic já na próxima reunião do Copom, ainda que com piora na pandemia.

As pressões vindas dos preços das commodities adicionalmente forçarão a Selic subir, justamente no momento de desocupação elevada. É um dilema para o Bacen, pois o dólar precisa recuar e o Brasil necessita conter o desemprego. A China deve continuar crescendo e demandando mais commodities esse ano.

Na reunião de semana passado, o Copom retirou o foward guidance, outro sinal de que a Selic pode aumentar brevemente, mais uma razão para estarmos preocupados com o emprego no país. Assim, para setores como o comércio e serviços, intensivos em mão de obra, os quais devem ter demandas reduzidas e capacidade de quitação de dívidas compro

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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