25/02/2021 12:59
Abertura do sistema trará benefícios
Um deles é a expansão do crédito
Mas é preciso furar bolha cambial
O BC (Banco Central) iniciou a primeira fase do open banking na semana passada, uma infraestrutura de integração de dados financeiros, um conjunto de tecnologias que possibilitarão o compartilhamento de dados dos clientes entre os bancos, conforme a vontade do consumidor, que escolherá com quem deseja partilhar suas informações bancárias. A perspectiva de aumento da Selic na segunda metade do ano pode, no entanto, limitar os efeitos positivos da abertura bancária na redução do custo do crédito.
Na prática, estamos falando da portabilidade dos dados das pessoas físicas e jurídicas entre organizações financeiras, com mais liberdade aos indivíduos para levarem suas informações financeiras para a instituição que desejarem.
Será possível compartilhar dados pessoais como nome, CPF/CNPJ, telefone, endereço, informações transacionais: renda, faturamento das empresas, perfil de consumo, capacidade de compra, conta corrente, além de dados sobre produtos e serviços utilizados pelos clientes: informações sobre empréstimos pessoais, financiamentos, dentre outras, sempre com o consentimento do usuário.
O open banking nasceu no Reino Unido em 2018, mas lá a abertura bancária limita-se às fronteiras clássicas de atuação dos bancos, com informações compartilháveis restritas ao crédito e serviços bancários recorrentes e tradicionais. No Brasil, a troca de informações será também sobre contratações de seguros, operações de câmbio, e aplicações financeiras.
A Austrália implementou a abertura de seu sistema em meados de 2020, assim como já estão em processo de open banking Índia, México, Alemanha, Cingapura, Itália e Luxemburgo. Estados Unidos, Rússia e Canadá estão analisando maneiras de adotar a abertura bancária, pois cada país tem incorporado o compartilhamento de dados até certo nível.
O Brasil pode ser considerado ambicioso em comparação às economias que já possuem iniciativas de abertura bancária. Esses países ou estão menos avançados, ou restringiram a regulamentação da abertura bancária.
Estamos subindo mais alguns degraus no processo de inclusão financeira, e, dentre tantos benefícios do sistema bancário aberto, surgirão novos produtos e serviços personalizados daqui em diante. A maior competição aumentará a eficiência dos serviços prestados pelas instituições e diminuirá o custo dos produtos financeiros, uma vez que com a abertura das plataformas, bancos e fintechs terão o mesmo nível de informação sobre os clientes. Novos players entrarão no mercado, diminuindo o monopólio dos poucos bancos com grandes fatias de mercado no país, e o sistema se tornará mais transparente.
Uma das apostas do mercado é que a grande massa de informações geradas pelo open banking estará em pouco tempo disponível às empresas de fora do sistema financeiro, aos estabelecimentos do comércio e serviços, por exemplo. O acesso às informações dos clientes dará enorme poder aos tomadores de decisão, que poderão planejar suas ações de forma muito mais assertiva e otimizar as experiências dos clientes.
O sistema financeiro brasileiro está atravessando grandes modernizações, uma delas, a bancarização da sociedade. Com ao auxílio emergencial fornecido pelo governo, a população que ainda não possuía uma conta bancária passou a ter uma poupança digital na Caixa Econômica Federal, o que aumentou a acessibilidade ao sistema bancário.
A implementação do open banking com mais pessoas incluídas no sistema bancário tende a expandir o crédito e, consequentemente, fomentar o consumo.
No entanto, mesmo com taxas de juros mais claras e acessíveis possibilitadas pela abertura bancária, a alta da Selic esperada para o segundo semestre pode limitar o impacto positivo do open banking no custo do crédito, por exemplo.
O endividamento aumentou em 2020 com a crise sanitária e maiores necessidades de crédito, mas as pessoas e empresas conseguiram pagar parte das contas e dívidas, contrariando os alarmantes passivos de devedores duvidosos provisionados pelos bancos.
Esse ano, vamos observar a sucessão de altas na Selic, que poderá chegar a 4%, em razão das expectativas de maior inflação oriundas da pressão do câmbio.
Por mais que seja necessária e esperada, a elevação da Selic vai contribuir para maior inadimplência no futuro, comprometendo a renegociação de dívidas, tão importante para manter os indicadores de inadimplência sob controle durante a pandemia.
Com mais desemprego e sem perspectivas de recuperação mais rápida do mercado de trabalho, aumento dos juros podem acarretar mais inadimplência. Por sua vez, com o dólar mantendo-se elevado, as expectativas são de pressões inflacionárias mais persistentes. Nesse caso, temos o dilema de Sofia, em que restará imposta uma decisão difícil ao BCB, sob a pressão de um agravamento da pandemia, algum sacrifício será necessário.
Logo, torna-se inexorável furar a bolha de especulação cambial com elevações da Selic, mesmo com desemprego e condições ainda precárias no mercado de trabalho. Entretanto, com maior confiança na política fiscal e mudanças no Congresso, a pressão sobre o câmbio poderá ser reduzida, o que ajuda a política monetária e alivia o dilema de Sofia.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).