09/07/2021 07:06
Vírus pode ter escapado de laboratório
Informações são omitidas do público
Urna eletrônica pode ser manipulada
Grupos e líderes mudam de discurso
Em 8 de maio, um jornalista da Folha de S.Paulo fez uma confissão triste, embaraçosa e, ainda assim, perfeitamente previsível para aqueles cujos neurônios trabalham sem constrangimento ideológico. O artigo fala de como é razoável a possibilidade de que o novo coronavírus tenha sido manipulado geneticamente e possa ter escapado do laboratório de Wuhan, o único laboratório chinês de nível 4 (segurança máxima).
Quem lê meus artigos já conhece essa teoria ao menos há 1 ano e foi informado de outros fatos importantes, como o consórcio entre Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, que produz armas biológicas e vem sujeitando o mundo a um risco similar ou maior do que a pandemia que hoje nos assola. Eu felicito a Folha por ter sucumbido aos fatos, mesmo que apenas depois de esses fatos terem sido publicados pelo Bulletin of the Atomic Scientists. O artigo original foi traduzido para o português por Eli Vieira e publicado aqui.
Mas dentro dessa notícia velha, e quase desinteressante para quem vem se informando com independência, discernimento e aversão ao pensamento de manada, existe sim uma revelação. Ela está na 1ª frase do artigo: “Como quase todos os jornalistas de ciência, até aqui [eu] descartava como teoria conspiratória a ideia de a covid ter surgido no Instituto de Virologia de Wuhan, cidade de origem da pandemia”. O autor, provavelmente temeroso do nojinho de seus pares e superiores, logo em seguida adiciona mais um caveat inadvertidamente auto-condenatório: “Não que Donald Trump ou Jair Bolsonaro estejam certos”. Entenderam, senhores? Não confunda o autor da narração daqueles fatos com pessoas do nível de Trump e Bolsonaro, por favor. Esse tipo de coisa me faz lembrar de algo que ouvi algumas vezes quando criança à mesa do almoço na minha casa, quando alguém fazia algum tipo de comentário vazio ou fofoca: “Grandes mentes debatem sobre ideias; mentes medianas debatem sobre eventos; mentes diminutas debatem sobre pessoas”. (A frase original, atribuída a Eleanor Roosevelt: “Great minds discuss ideas; average minds discuss events; small minds discuss people”)
Mas voltando ao artigo, aproveito este momento, então, para agradecer a Marcelo Leite publicamente por confirmar outra coisa que venho dizendo há tempos: que grande parte da mídia comercial se partidarizou de tal maneira que deixou de cumprir sua missão de investigar e informar. Aprisionados pelo pensamento de grupo, sedentos pela camaradagem dos colegas e acovardados pela desaprovação dos pares, jornalistas no Brasil e no mundo foram reduzidos a discutir pessoas —e ignorar fatos. Um dos programas mais assistidos da TV brasileira também confirma isso e corrobora com o que Marcelo Leite falou.
Em 2 de maio, o “Fantástico” mostrou uma reportagem em conjunto com a BBC que tratava da origem da pandemia. A reportagem, decorada com a presença da veterana Sonia Bridi, não disse uma única palavra sobre a manipulação genética de vírus semelhantes ao da covid-19 com experimentos financiados pelo governo norte-americano. Mas essa história é sabida e tem sido discutida muito antes do artigo do Bulletin of The Atomic Scientists. Uma dessas reportagens foi publicada na conhecida New York Magazine em janeiro deste ano.
Eu falei desse assunto e mencionei essa reportagem em fevereiro. E o autor desse incrível trabalho de jornalismo investigativo não é ninguém que possa ser facilmente desprezado pelo Consenso Inc. Nicholas Baker é autor de livros de não-ficção e reportagens científicas, ex-repórter da New Yorker e vencedor de prêmios jornalísticos.
Mas o “Fantástico” foi muito mais além de simplesmente omitir um fato da sua audiência. O programa não apenas ignorou por completo a teoria do vazamento e deixou de mencionar os fatos sobre manipulação genética de vírus pela indústria farmacêutica e por laboratórios governamentais, mas, para o choque e repulsa moral de várias pessoas, entrevistou como fonte de informação ninguém menos que Peter Daszak, dono da empresa EcoHealth Alliance, que foi subcontratada pelo governo norte-americano para fazer experimentos genéticos de ganho-de-função no laboratório de Wuhan. Em nenhum momento a audiência foi avisada de que Peter Daszak tem interesses diretos e inquestionáveis na teoria de que o coronavírus teria origem natural. Daszak e o “Fantástico” chegam a sugerir que a origem mais provável da pandemia é —acredite se quiser— não apenas o comércio de animais silvestres, mas a derrubada de uma árvore e a abertura de novas estradas.
Como ignorar experimentos de ganho-de-função numa pandemia como essa? Para quem ainda não sabe e nunca se deparou com a expressão na mídia brasileira, experimentos de ganho-de-função tentam acelerar a evolução de um vírus para que ele se torne cada vez mais fatal contra o ser-humano. A justificativa para tais experimentos é que, ao criar um vírus mais potente e fatal, os cientistas estariam se antecipando ao que pode vir a acontecer caso o vírus de fato evolua da maneira prevista. É um tipo de exercício auto-confirmador, porque uma vez que tal vírus foi criado, obviamente ele passa a ser uma ameaça, mesmo que não tenha evoluído naturalmente —ou principalmente por isso.
Diante desses fatos, cabe então perguntar: que outras eventuais verdades, possibilidades, teorias sobre curas, tratamento precoce, risco das vacinas, estão sendo ignoradas apenas por serem defendidas por pessoas impalatáveis? Que outras ideias estão morrendo ao nascer simplesmente por estarem associadas a pessoas e não aos fatos dos quais elas tratam? Que outras verdades, conhecidas pela “tia do zap” desde o começo da pandemia, vão levar mais 1 ano para serem consideradas ou admitidas pelos meios de comunicação incumbidos de vigiar os poderosos e proteger a democracia? Notem que estou partindo da premissa mais generosa possível: a de que jornalistas estejam ignorando ou favorecendo fatos por mera predileção pessoal e política, não porque estejam sendo financiados por governo ou empresa ou porque estejam sendo pressionados pelos veículos que os empregam.
Isso apresentado acima foi provavelmente o preâmbulo mais longo que já escrevi, porque o assunto do qual eu quero de fato tratar é a urna eletrônica. Existe um debate de suma importância sendo destruído pelo mesmo partidarismo explícito pelo jornalista da Folha: o voto auditável. Resumidamente, os participantes desse debate estão divididos em 2 grupos: um que sabe que todo processo eletrônico é falsificável e hackeável; e outro grupo que finge acreditar que as urnas eletrônicas são impérvias a qualquer tipo de manipulação. Não existe nada mais importante numa democracia do que a confiança de que o sistema eleitoral foi limpo e reproduziu a vontade popular. E existe uma solução extremamente prática e simples para assegurar a legitimidade das urnas eletrônicas: a contraprova auditável.
Pessoas de má-fé ou muito mal-informadas (este foi o meu próprio caso por um tempo) acham que uma contraprova em papel pode ser usada para o voto de cabresto —aquele em que o eleitor vota a mando de alguém e depois mostra que cumpriu o prometido apresentando a cédula a quem lhe obrigou, pagou ou prometeu um favor. Mas a ideia da urna auditável não dá margem para isso. Ela é de uma engenhosidade e simplicidade brilhantes. As duas imagens abaixo, que recebi no WhatsApp, mostram como poderia funcionar a auditabilidade dos votos: o indivíduo vota eletronicamente e vê seu voto na tela. Uma cédula é, então, impressa reproduzindo o voto dado na máquina e confirmando que o voto eletrônico foi registrado com fidelidade. Essa cédula é inserida em uma urna, que pode vir a ser aberta e verificada se houver dúvida sobre a lisura do processo. Os números da urna eletrônica e da urna de papel seriam então comparados.
Mas como pode uma ideia tão simples, tão sensata e tão necessária estar sendo desmerecida com os argumentos mais rasteiros? Adivinhou quem respondeu que tudo mudou a partir do momento em que Bolsonaro passou a defender essa ideia publica e enfaticamente. Aqui o jornalista Romulus Maya mostra como políticos da esquerda, em especial do Psol (Partido Socialismo e Liberdade), estão defendendo o que criticavam e criticando o que defendiam. Tweets foram apagados, vídeos deletados, opiniões outrora sagradas foram descaradamente deserdadas. Até ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) parecem ter mudado de opinião.
Uma das melhores explicações que vi para a urna auditável é esta aqui:
“Nós sabemos que todos os sistemas eletrônicos são invasíveis; o Pentágono sofre isso, há hackers invadindo inteligentemente para o bem e para o mal. […] É tão simples pensar que: se eu pago ali um cafezinho por 3 reais, a moça vai pegar o meu cartão e me dar um comprovante, é muito simples aperfeiçoar tecnicamente esse comprovante que permita ao cidadão eleitor o controle do seu voto, e mais, que permita auditar a possibilidade de um hacker mudar o sistema para que na contabilização dos votos, aí sim, a fraude ocorra. […] É importante garantir ao cidadão e aos partidos e à sociedade o direito de ter comprovação do seu voto como qualquer cidadão que usa o cartão de crédito e tem o direito de saber se ao digitar sua senha foi lhe cobrado o valor devido”. Sabe quem falou isso? Edmilson Rodrigues, nada menos que professor, arquiteto e prefeito de Belém pelo Psol. Só que isso foi nos idos de 2015.
O que pode estar acontecendo sob a vista de todos, nesse exato momento, é o fenômeno que envolve o que classifiquei como gado-ao-contrário: aquelas pessoas que, sendo sempre do contra, passam a ser tão manipuláveis como aquelas que são sempre a favor. Quem faz sempre o contrário do que alguém espera, passa a ser tão programável quanto quem faz o que alguém lhe manda. E quando essas pessoas agem da mesma forma em grupo, elas podem ser facilmente manipuladas para destratar uma proposta importante. Bastaria, por exemplo, que alguém que queira hackear as urnas convencesse Bolsonaro a defender a contraprova em papel. Como Marcelo Leite, pessoas até inteligentes podem achar que estão certas simplesmente porque sempre acham que o inimigo está errado e assim são conduzidas saltitantes para um churrasco sem saber que o churrasco são elas.
Mas existem outras possibilidades para que essa dissensão esteja acontecendo agora, e deixo aqui umas perguntas: o que aconteceu com quem defendia a auditabilidade das urnas e agora defende o contrário? Mudou a segurança das urnas? Ou será que o que mudou foi o eventual beneficiário de uma possível fraude?
Por Paula Schmitt é jornalista, escritora e tem mestrado em ciências políticas e estudos do Oriente Médio pela Universidade Americana de Beirute. É autora do livro de ficção “Eudemonia” e do de não-ficção “Spies”. Venceu o Prêmio Bandeirantes de Radiojornalismo, foi correspondente no Oriente Médio para o SBT e Radio France e foi colunista de política dos jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo. Publicou reportagens e artigos na Rolling Stone, Vogue Homem e 971mag, entre outros veículos.