Opinião – Corrupção e impunidade: uma dura realidade brasileira

”Interferências entre poderes, restrições orçamentárias, mudança de leis e estratégias visando o próximo pleito são assuntos necessários. Mas não cabem tais digressões agora”, diz Alexandre Knopfholz

15/02/2022 06:10

”Várias estatísticas apontam para um desmonte ou, no mínimo, uma estagnação no combate à corrupção”

Símbolo da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

“O Brasil não é um país sério”. A conhecida citação, datada de 1962 e atribuída a Charles de Gaulle (ex-presidente francês), foi, na verdade, feita pelo então embaixador do Brasil na França, Carlos Alves de Souza, em entrevista ao jornalista Luiz Edgar de Andrade, do Jornal do Brasil. Independentemente de sua origem, traz consigo uma visão pessimista sobre a realidade do nosso país, sempre lembrado como o local do jeitinho, da malandragem e, por consequência, de corrupção.

É evidente que a desonestidade existe em qualquer sociedade. Algum nível de criminalidade existe em todos os países, dos mais ricos aos mais pobres. Mas no Brasil há uma peculiaridade, um desvio de foco já observado inclusive em ditos populares: discutimos sobre quem começou a roubar, em vez de indagar por que ninguém parou. Parece perfeita a provocação de Jô Soares ao afirmar que “a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”.

O Estado brasileiro evoluiu consideravelmente na prevenção desse delito. A Ação Penal 470, que apurou o chamado “Mensalão”, pode ser considerada um marco nessa luta. Em julgamento ocorrido em 2012, após 53 sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal, dentre 38 réus, 25 foram condenados. Mais recentemente, a partir de 2014, destacou-se a Operação Lava Jato, que desvendou um gigantesco esquema contra a maior empresa estatal brasileira: a Petrobras. Foram centenas de ações penais, recursos, colaborações premiadas e procedimentos diversos que se traduziram em uma das maiores iniciativas de repressão à corrupção e à lavagem de dinheiro do Brasil (e, possivelmente, do mundo).

Em relação à dita operação, é fundamental restabelecer uma verdade histórica: em razão de supostos vícios processuais, algumas das ações penais foram anuladas, prejudicando-se, em consequência, as condenações de acusados nos procedimentos correspondentes. Isso fez com que muitos alardeassem um imaginado fracasso da dita operação, que teria acabado, segundo eles, de maneira melancólica. Nada mais equivocado. Nem todas as ações penais foram anuladas. Muitas empresas envolvidas nos esquemas ilícitos foram obrigadas a criar vários mecanismos de compliance e programas anticorrupção. E, principalmente, a Petrobras – principal vítima dos criminosos – recuperou mais de R$ 6 bilhões. Algo nunca antes visto como resultado de ações penais. Nenhum procedimento que recupera tal montante pode ser taxado como fracassado.

Também não se pode ignorar o árduo trabalho de delegados de polícia, membros do Ministério Público, advogados, professores, órgãos de imprensa, organizações não governamentais, dentre outros que, com iniciativas diversas, dentro dos seus respectivos contextos, denunciam crimes contra a administração pública e organizações criminosas instaladas nos órgãos da República.

Ainda assim, o cenário atual está longe do ideal. Várias estatísticas apontam para um desmonte ou, no mínimo, uma estagnação no combate à corrupção. No Índice de Capacidade de Combate à Corrupção, divulgado em 2021 pela America’s Society/Council of the Americas, o país sofreu a maior queda entre as 15 nações da América Latina analisadas. Em relatório da Transparência Internacional, divulgado no último mês de janeiro, o Brasil caiu posições no Índice de Percepção da Corrupção, ocupando atualmente a vexatória 96.ª posição entre os 180 países avaliados. Não menos humilhante é a decisão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de monitorar o Brasil na luta contra a corrupção, em razão do que chamaram de “desmantelamento” de seu combate no país. Ou seja: seremos “supervisionados” porque transmitimos a ideia de que não damos conta, internamente, de processar e condenar corruptos.

Reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 1.º de fevereiro noticiou que as prisões por corrupção chegaram ao mais baixo nível em 14 anos. Apenas para se ter uma ideia, em comparação com 2020, o ano de 2021 apresentou uma redução de 44% entre prisões preventivas, temporárias e penas privativas de liberdade. Trata-se de estatística que não pode ser interpretada com pressa, sobretudo porque a prisão durante o processo é medida excepcional e tal informação, por si só, não é suficiente para cravar eventual enfraquecimento das instituições que são destinadas a repelir a corrupção. Mas não deixa de ser um dado objetivo que deve ser considerado, ainda que em análise conjunta com outras referências.

A dicotomia corrupção x impunidade é complexa. Deve ser analisada sob os mais diferentes ângulos: social, jurídico, sistêmico, humano, de estrutura do Estado, dentre outros. Contudo, jamais pode ser debatida sob o aspecto partidário. A corrupção é um fenômeno mais antigo e independente de partidos políticos ou de suas ideologias por si sós. Infelizmente, a forma de melhor reprimir esse mal tem ocupado muito menos os foros públicos de debate do que temas como quem roubou mais ou quem meteu a mão antes.

Interferências entre poderes, restrições orçamentárias, mudança de leis e estratégias visando o próximo pleito eleitoral são assuntos necessários. Mas não cabem tais digressões agora. A nós, enquanto cidadãos, cabe apenas fazer a nossa parte, rejeitando o jeitinho – em todas as suas formas – e dando vida à lição de Martin Luther King: “Quem aceita o mal sem protestar coopera com ele”.

 

 

 

 

Por Alexandre Knopfholz, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Empresarial, é professor de Processo Penal na graduação e na pós-graduação da Unicuritiba e também leciona como professor convidado em cursos de pós-graduação e extensão. Gustavo Scandelari é doutor e mestre em Direito, professor de Direito Penal no Unicuritiba e em cursos de pós-graduação, e professor de Compliance Jurídico na FAE Business School.