Opinião – Suspensão do Telegram no Brasil é uma vergonha pública

Ao silenciar diante do abuso serial às liberdades individuais feito pelo STF, a classe política brasileira está rifando a segurança que a democracia deveria oferecer a todos, escreve J.R. Guzzo

24/03/2022 06:03

”O que não vale para um hoje pode não valer para outro amanhã”

Ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu o funcionamento do aplicativo de mensagens Telegram e só voltou atrás depois de a empresa assumir compromisso de colaborar com a Justiça brasileira. Foto: Divulgação/Telegram

Foi mais um passo, na escalada permanente de repressão ao direito de livre expressão que o ministro Alexandre Moares conduz no STF com o seu inquérito perpétuo contra “atos antidemocráticos”. Num dia, o ministro mandou “suspender” o funcionamento no Brasil da plataforma de comunicação Telegram. No outro, mandou retirar a suspensão. No meio tempo, os responsáveis pelo Telegram, que não tem representantes no Brasil, comunicaram que estavam satisfazendo as instruções dadas pelo ministro – basicamente, retirar postagens das quais ele não gosta.

O caso do Telegram é uma vergonha – mais uma, na sucessão inevitável de vergonhas públicas trazidas por esse inquérito ilegal, abusivo e típico de ditaduras subdesenvolvidas. Diante de um Congresso Nacional que se ajoelha, e dos grandes faróis da “sociedade civil” que preferem ficar apagados, o ministro Moraes viola abertamente a Constituição a cada um dos seus despachos. Não há nada de certo na sua guerra santa para “defender a democracia”, mas poucas coisas são tão agressivamente contra a lei como sua perseguição a jornalistas de direita, ou “bolsonaristas”, ou que desagradam a ele e ao STF.

O caso mais gritante é o de Allan dos Santos, banido das redes sociais pelo ministro, e que se utilizava do Telegram para escrever a seus leitores. Allan tem sido, desde o início dessa aberração toda, a besta negra de Moraes. Está sendo processado, mas não é informado que crime teria cometido. Não dizem qual artigo do Código Penal, ou de qualquer outra lei brasileira, ele teria desrespeitado. Seus advogados não têm acesso aos autos do inquérito – e o próprio Allan não consegue informar a ninguém do que, exatamente, está sendo acusado. A única coisa clara é que virou uma ideia fixa para o ministro.

Moares está intensamente frustrado porque não consegue prender o jornalista. Ele está nos Estados Unidos – e nem a Interpol, nem as autoridades americanas, tomaram conhecimento dos pedidos oficiais de “extradição” feitos pelo ministro. É uma humilhação: a polícia internacional ignora uma ordem da Suprema Corte brasileira porque nos países democráticos onde opera não se admite a prisão de cidadãos que não cometeram crime definido em lei.

É, além disso, um dos piores momentos para quem, no Brasil, vive angustiado com ameaças à democracia, mas se cala diante da perseguição contra Allan dos Santos. Como o jornalista é uma figura detestada pela esquerda, considera-se que no seu caso a lei não se aplica; não vale, para ele, o direito constitucional à livre expressão, nem o princípio de que nenhum cidadão pode ser acusado de algo que não está previsto em lei.

O que não vale para um hoje pode não valer para outro amanhã. Ao silenciar diante do abuso serial às liberdades individuais feito pelo STF, a classe política brasileira está rifando a segurança que a democracia deveria oferecer a todos.

 

 

 

 

Por J.R.Guzzo, é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.