Esse debate no STJ sob o enfoque da apresentação ou não das vias originais do título de crédito em processos eletrônicos de execução e busca e apreensão ainda terá muitos outros capítulos, escreve Hernani Zanin Junior
17/05/2022 05:54
”29,6% do spread bancário corresponde apenas às despesas administrativas das operações”
Responsável por interpretar em último grau a legislação federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, para a validade dos processos relacionados a cobranças de dívidas, inclusive eletrônicos, é preciso apresentar em juízo a via original do título de crédito – tanto para processos de execução quanto para os de busca e apreensão do veículo.
Esta interpretação era recorrente durante a tramitação dos processos físicos, mas havia perdido força com os processos eletrônicos pelo advento do Código de Processo Civil de 2015, que alçou as digitalizações em processo digital com a mesma força de “prova que os originais”. No entanto, a decisão dos ministros considerou que o título de crédito, antes de ser ajuizado, pode já ter sido negociado no mercado para um terceiro, daí porque, pela incerteza de que tal crédito continua ou não em poder do credor original, seria requisito de validade do processo a apresentação da via original em Juízo, mesmo em processos eletrônicos.
Esta conclusão foi da 3ª Turma do STJ durante o julgamento de um processo de crédito bancário de cerca de R$ 67 mil, acordado entre uma compradora de um automóvel e uma instituição financeira. Em decorrência da falta de pagamento das prestações, o banco propôs ação de busca e apreensão, utilizando apenas a cópia do contrato de crédito bancário. Na primeira instância, então, foi determinada a apresentação do documento original da cédula de crédito – o banco não cumpriu a decisão e, assim, o processo foi extinto.
A decisão abala o mercado de crédito, pois afeta a estrutura hoje utilizada pelas instituições de todo o Brasil para a guarda e gestão dos contratos bancários, bem como atrasa ainda mais o processo de ajuizamento dos contratos e de recebimento da petição inicial pelos juízes, ao se exigir primeiro a apresentação em cartório das vias originais, sob pena de extinção do processo.
Em regra, os contratos são feitos regionalmente, digitalizados, enviados e guardados pelo prazo legal em um centro de guarda de cada instituição. Havendo inadimplemento e em se tratando de processo eletrônico, apenas a via digitalizada do título é encaminhada para cobrança, com amparo no art. 425, IV, §1º, do CPC. No entanto, caso a decisão da 3ª Turma do STJ repercuta e se passe a exigir indistintamente a apresentação da via original para qualquer contrato bancário previamente ao recebimento de qualquer execução ou ação de busca e apreensão, além de ser necessária nova estrutura massiva de procura, coleta e entrega das vias físicas, acarretando aumento das taxas bancárias, também o tempo e custo do processo judicial aumentarão.
Segundo o último relatório de Economia Bancária do Banco Central, 29,6% do spread bancário no Brasil corresponde apenas às despesas administrativas das operações bancárias. Evidente que novas obrigações gerarão custos financeiros e humanos a mais para a já desafiadora tarefa do credor e do Judiciário de satisfação do crédito.
Talvez uma solução mais ponderada seria exigir a apresentação da via original apenas quando houvesse fundada controvérsia levantada por qualquer das partes sobre a existência ou regularidade do documento, nunca de ofício pelo magistrado, e não indistintamente como requisito mínimo de validade de todo e qualquer processo de execução ou busca e apreensão suportado em título de crédito, como se a legislação processual não presumisse a boa-fé da parte que junta o documento e assume o dever de conservar o original.
Esse debate no STJ sob o enfoque da apresentação ou não das vias originais do título de crédito em processos eletrônicos de execução e busca e apreensão ainda terá muitos outros capítulos, esperando-se que prevaleça ao fim não apenas a regra processual em vigor, mas também a parêmia milenar: a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova.
Por Hernani Zanin Junior é advogado especialista em Direito Civil e Empresarial e mestre em Função Social dos Direitos Privados pela FADISP.