É inadmissível uma inversão de valores nessas proporções, onde o agente da lei se torna réu por cumprir a Constituição e enviar criminosos à cadeia e, por outro lado, corruptos e lavadores de dinheiro responsáveis por desvios de bilhões de reais estão livres, escreve Thaméa Danelon
01/06/2022 05:32
”Os trabalhos da Lava Jato não foram realizados apenas pelo ex-juiz Sergio Moro”
O ex-juiz Sergio Moro se tornou réu em uma ação popular proposta pelo Partido dos Trabalhadores no dia 23 de maio último. A ação foi proposta pelos seguintes deputados federais do PT: Rui Falcão, Erika Kokay, Natália Bonavides, José Guimarães e Paulo Pimenta. Na ação, eles alegam que o ex-juiz causou um prejuízo ao Brasil, por “manipular” a Petrobras, e que os danos ao patrimônio da estatal foram consequência dos processos da Operação Lava Jato; assim, os autores da ação requerem que Moro seja condenado a ressarcir aos cofres públicos os “prejuízos” causados.
Não bastasse a anulação de diversos processos da Lava Jato pelo Supremo Tribunal Federal, agora o Partido dos Trabalhadores processa Sergio Moro por “prejuízos causados à Petrobras” como se o assalto a essa estatal e a dilapidação do patrimônio público tenha sido causado pelo ex-magistrado.
Devemos lembrar que durante as investigações da Lava Jato foram constatados inúmeros desvios dos cofres da Petrobras que ocorreram, principalmente, através da realização de licitações superfaturadas onde os participantes – as principais construtoras do país – integravam um cartel que excluía diversas outras empresas que não faziam parte deste seleto grupo, autodenominado clube dos 11.
Ao vencer as licitações de forma fraudulenta, os empresários criminosos recebiam valores vultosos e superfaturados da Petrobras para a realização das obras, sendo que parte desses valores eram direcionados aos partidos políticos envolvidos na Lava Jato, sendo o PT o principal deles, seguido do PP e do MDB.
Parte da propina era paga aos agentes públicos envolvidos – gerentes e diretores da Petrobras – através, por vezes, de contratos fictícios de prestação de serviços, caracterizando, assim, a prática do crime de lavagem de dinheiro. Como exemplo, o ex-diretor da Petrobras Pedro Barusco, envolvido nesse esquema delituoso, devolveu à estatal a quantia de 100 milhões de dólares referente a propina recebida que estava depositada em uma conta na Suíça.
No total, a operação Lava Jato ressarciu à Petrobras mais de R$ 5 bilhões, valores que foram desviados por longos anos, através de inúmeros atos de corrupção passiva, ativa, fraude à licitação, organização criminosa, formação de cartel e lavagem de dinheiro.
Todos esses crimes foram identificados e comprovados através do trabalho de uma força-tarefa, formado por membros do Ministério Público Federal, Polícia Federal, Receita Federal e CGU, e por conta dessa união de esforços dos principais órgãos de investigação e fiscalização do Brasil foram descobertos todos esses ilícitos que causaram um prejuízo aos cofres públicos no valor superior a R$ 40 bilhões.
Assim, os trabalhos da Lava Jato não foram realizados apenas pelo ex-juiz Sergio Moro, mas pela união de centenas de pessoas, das mais diversas instituições, cidades e estados do nosso país. O trabalho desempenhado pelo ex-magistrado e por todos os demais integrantes e auxiliares da força-tarefa decorreu do estrito cumprimento das leis e da Constituição Federal, pois policiais federais e procuradores constataram inúmeras evidências de desvios de verbas da Petrobras; instauraram centenas de investigações criminais; contaram com as investigações e expertises de servidores da Receita e da CGU.
Reunidas todas as evidências e identificando-se os responsáveis pelos crimes, ações penais foram propostas, e o então juiz apenas cumpriu seu labor de analisar se os processos continham os elementos que autorizariam o seu início e, após, proferiu as sentenças condenatórias, baseadas nas milhares de provas e robustas evidências de todos os crimes acima indicados.
O que causou os bilionários prejuízos à Petrobras e às outras estatais foram os diversos atos de corrupção praticados por empresários e políticos desonestos. É a corrupção que causa danos ao patrimônio público, e não o seu combate. São os criminosos que foram condenados na Lava Jato que dilapidaram os cofres públicos, e não o magistrado que os condenou e os demais investigadores que descortinaram esses crimes.
É inadmissível uma inversão de valores nessas proporções, onde o agente da lei se torna réu por cumprir a Constituição e enviar criminosos à cadeia e, por outro lado, corruptos e lavadores de dinheiro responsáveis por desvios de bilhões de reais estão livres, com processos anulados e perseguindo judicialmente aqueles que apenas cumpriram a lei, investigaram, processaram e prenderam malfeitores do nosso país.
Por Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP); professora de Direito Processual Penal e palestrante.