Opinião – A cassação de Francischini e a confusão jurídica no STF

A decisão do TSE restabelecida agora pela Segunda Turma do STF foi desproporcional, pois coloca em risco a liberdade de expressão prevista no artigo 5º da Constituição Federal, escreve Thaméa Danelon

08/06/2022 06:01

”Principalmente no que diz respeito a um parlamentar que foi eleito com mais de 400 mil votos”

Fernando Francischini foi o deputado estadual mais votado no Paraná em 2018. Foto: Albari Rosa/Arquivo Gazeta do Povo

Durante o primeiro turno das eleições de 2018, o então deputado federal Fernando Francischini realizou uma “live” em suas redes sociais divulgando informações recebidas de algumas pessoas que estavam, eventualmente, com dificuldades em realizar a votação nas urnas eletrônicas. Era relatado que algumas pessoas não estavam conseguindo votar no então candidato Jair Bolsonaro por conta de problemas, ou supostas fraudes em algumas urnas. Francischini também afirmou que algumas urnas teriam sido apreendidas por indícios de fraude.

Após essa live, foi instaurado um processo na Justiça Eleitoral contra Francischini até que, em 2021, seu mandato de deputado estadual (pois foi eleito em 2018 para esse cargo) foi cassado sob argumento de ele ter disseminado desinformação. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também desconsiderou os votos recebidos pelo parlamentar, que foi o mais votado no estado do Paraná naquele ano e, por conta disso, outros três parlamentares do mesmo partido também perderam seus mandatos.

Francischini recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra sua cassação. No último dia 2, o relator do caso, o ministro Kassio Nunes Marques, suspendeu a decisão do TSE que cassou o mandato de referido deputado. No dia seguinte, o suplente de Francischini, o deputado Paulo Bazana, que assumiu o mandato após a cassação, ajuizou um mandado de segurança contra a decisão de Nunes Marques, para que fosse restabelecida a cassação do mandato, iniciando-se, assim, um imbróglio jurídico no Supremo.

Esse mandado de segurança foi distribuído entre os membros do STF, tendo sido sorteada a ministra Cármen Lúcia para relatar o caso, a qual requereu a realização de uma sessão virtual extraordinária para a votação deste mandado de segurança. A ministra atendeu ao pedido do suplente de deputado e votou para que fosse restabelecida a decisão do TSE, ou seja, que fosse cassado o mandato do parlamentar paranaense. O ministro Edson Fachin acompanhou o voto de Cármen Lúcia.

Entretanto, o ministro André Mendonça em vez de votar, requereu vistas dos autos, fato que suspendeu o julgamento do mandado de segurança no plenário virtual. Mendonça sustentou que essa sessão extraordinária para julgar o mandado de segurança não poderia ocorrer, pois nesta terça-feira, 7 de junho, já estava agendado o julgamento do processo principal, ou seja, aquele onde o ministro Nunes Marques devolveu o mandato ao deputado.

Dessa forma, como a Segunda Turma do STF já iria julgar esse caso, não faria sentido o plenário virtual do STF votar em sessão extraordinária o pedido liminar no mandado de segurança. Assim, para André Mendonça seria prudente evitar decisões conflitantes, em benefício da ordem processual. Horas depois do pedido de vista, a Segunda Turma do STF decidiu, por 3 votos a 2, anular a liminar de Nunes Marques e restabelecer a cassação do mandato do deputado. O próprio ministro André Mendonça foi voto vencido nesse julgamento.

Pois bem, passemos a analisar tecnicamente as decisões sobre o caso. Penso que a opção de Nunes Marques por restabelecer o mandato do deputado Francischini foi correta, pois, de fato, não ficou comprovado o alegado uso abusivo dos meios de comunicação, pois as informações foram divulgadas através das redes sociais, e não por meio de veículos tradicionais de comunicação, sendo certo que, como bem salientado pelo ministro Nunes Marques, qualquer pessoa, bem como qualquer candidato poderia valer-se da utilização dessas redes.

No meu entendimento não ficou comprovado que os fatos noticiados pelo deputado continham desinformação e nem que ele tinha ciência que eram informações supostamente falsas. Além disso, ainda que comprovada a existência de notícias/informações inverídicas, a imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição Federal assegura que deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, logo, não caberia ao TSE a cassação do mandato do parlamentar, pois somente a respectiva casa legislativa poderia apreciar uma eventual cassação.

No que se refere ao pedido de vistas dos autos pelo ministro André Mendonça, sob argumento de se evitar decisões conflitantes, eu também entendo que foi uma providência sábia e adequada, e que visou estabelecer a segurança jurídica. Se no mesmo dia a Segunda Turma do STF iria julgar o processo principal que trata sobre a cassação do mandato do deputado, não havia sentido para o plenário virtual julgar uma ação acessória que discutiria a mesma questão. Haveria sérios riscos de proferimento de decisões paradoxais que iriam causar prejuízo à ordem processual (ou seja, dos processos propriamente ditos).

Na minha visão, a decisão do TSE restabelecida agora pela Segunda Turma do STF foi desproporcional, pois coloca em risco a liberdade de expressão prevista no artigo 5º da Constituição Federal, e principalmente no que diz respeito a um parlamentar que foi eleito com mais de 400 mil votos.

 

 

 

 

Por Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP); professora de Direito Processual Penal e palestrante.