Opinião – A diferença entre dois Brasis ficou evidente na contagem dos votos

Nunca, desde que o Brasil voltou a ter eleições diretas para presidente, um candidato que chegou à frente no primeiro turno deixou de ganhar no segundo; nunca um candidato no exercício da presidência deixou de ser reeleito. Escreve J.R. Guzzo

14/10/2022 05:36

”Lula, a esquerda e as elites que precisam do Brasil velho para sobreviver esperavam, naturalmente, um resultado diferente”

Foto: Gerson Klaina/Tribuna

Nenhum dos dois candidatos à presidência conseguiu definir as eleições no primeiro turno; está tudo adiado para segunda votação, no dia 30 de outubro, e até lá o Brasil vai continuar com o seu futuro em jogo. É possivelmente a escolha mais crucial que o país já teve em toda a sua história eleitoral – terá de optar entre o esforço atual para continuar tentando resolver os seus principais problemas, com a perspectiva real de sair deles algum dia, ou, então, vai voltar a um tipo de governo que já foi experimentado há pouco, durante quase catorze anos seguidos, e acabou num desastre sem precedentes. A contagem dos votos deixou evidente, mais uma vez, a diferença entre os dois Brasis que estão aí. Tudo o que existe de mais avançado, mais vivo e socialmente mais equilibrado optou pela primeira alternativa e deu seu voto de confiança ao presidente Jair Bolsonaro – do Mato Grosso ao Rio Grande do Sul. O que há de mais atrasado, da Bahia ao Maranhão, ficou do lado de Lula. Minas Gerais ficou no meio, entre um e outro, e o Norte tem peso eleitoral muito pequeno.

Lula, a esquerda e as elites que precisam do Brasil velho para sobreviver esperavam, naturalmente, um resultado diferente. Durante meses seguidos, numa lavagem cerebral nunca antes vista na história deste país, a confederação nacional das pesquisas eleitorais, o consórcio dos veículos de comunicação e tudo o que pode existir em matéria de “formadores de opinião” disseram que o ex-presidente ia ganhar no primeiro turno; nenhuma dúvida era admitida. Lula, até quase o dia da eleição, estava eleito com mais de 50% dos votos, já; Bolsonaro não passava dos 30%. Em seu redor já se distribuíam ministérios, faziam promessas e disparavam ameaças. O TSE e a ditadura judiciária do STF, por sua vez, fizeram todo o possível para beneficiar o candidato do PT; não há registro de uma eleição presidencial em que as autoridades eleitorais tenham sido tão abertamente parciais como na de 2022. Ficaram trabalhando até o último minuto; ainda na véspera da votação censuraram uma reportagem do site “O Antagonista” que divulgava conversas de apoio a Lula entre chefes do crime organizado. Não há nada na lei brasileira, absolutamente nada, que permita uma coisa dessas. Foi uma ilegalidade a mais – numa eleição que esteve durante o tempo todo sob a ameaça permanente de um inquérito policial conduzido pelo STF sem qualquer justificativa legal.

Lula vai para o segundo turno com uma clara vantagem de retrospecto: nunca, desde que o Brasil voltou a ter eleições diretas para presidente, um candidato que chegou à frente no primeiro turno deixou de ganhar no segundo. Bolsonaro tem outra: nunca um candidato no exercício da presidência deixou de ser reeleito. O que valem, na verdade, uma coisa e outra? Não se sabe. Retrospecto funciona para corrida de cavalo, e mesmo assim não garante nenhum resultado futuro; o que vai importar, mais uma vez, é a capacidade que cada candidato tiver para definir uma maioria em seu favor. É essa maioria quem vai resolver a disputa. Será ela, também, quem vai pagar a conta de tudo. Sempre é.

 

 

 

 

Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.