Opinião – Como funciona a imunidade parlamentar de deputados e senadores

A imunidade parlamentar existe para proteger a própria função pública do parlamentar, assegurando que ele tenha liberdade e independência em suas manifestações e votos. Escreve Thaméa Danelon

23/11/2022 06:41

”Na história da nossa República, o primeiro parlamentar em exercício a ser preso em flagrante delito foi o senador Delcídio do Amaral”

Plenário do Senado Federal. Foto: Marcos Oliveira/Senado Federal do Brasil

A importância da imunidade parlamentar está descrita no artigo 53 da Constituição Federal, que ressalta que os parlamentares – deputados federais e senadores – são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Essa inviolabilidade é a própria imunidade parlamentar, significando que tanto os deputados como senadores não podem ser presos e nem processados, seja civil ou criminalmente, por suas manifestações através da palavra.

A imunidade parlamentar existe para proteger a própria função pública do parlamentar, assegurando que ele tenha liberdade e independência em suas manifestações e votos. Importante mencionar que a inviolabilidade alcança tanto a área criminal (penal) como a área cível. Assim, o parlamentar não poderá ser processado criminalmente por conta de sua fala ou voto, e também não é autorizado que ele responda civilmente, ou seja, a pessoa que eventualmente tenha se sentido ofendida pela opinião, palavra ou voto do parlamentar, não poderá ajuizar uma Ação de Danos Morais contra ele.

Essa imunidade abrange não apenas as falas dos parlamentares no Congresso Nacional, mas também as manifestações em entrevistas jornalísticas; pronunciamentos para a imprensa; e nos meios de comunicação social, incluindo a internet. Caso na fala de um deputado ou senador conste uma ofensa muito grave a outro parlamentar, ou a outra pessoa, ele não poderá ser processado por crime contra honra ou por qualquer outro, mas havendo excesso de linguagem, ele poderá responder por quebra de decoro parlamentar.

A quebra de decoro será investigada em processo administrativo realizado pela Comissão de Ética da Câmara ou Senado Federal. Ao final do processo, caso o deputado ou senador seja condenado, ele sofrerá uma penalidade, que poderá ser, inclusive, a perda de seu mandato. Essa imunidade por não responder criminalmente (e nem civilmente) por suas opiniões, palavras e votos, é denominada juridicamente de “imunidade material”. Os parlamentares também são protegidos por outros dois tipos de inviolabilidade, 1) a imunidade parlamentar em relação à prisão; e 2) a imunidade parlamentar em relação ao processo. Vamos ver, a seguir, como elas funcionam.

A imunidade em relação à prisão refere-se a só autorizar a prisão de deputados e senadores caso eles estejam em flagrante delito e desde que o crime seja inafiançável. Ser preso em flagrante delito significa ser detido no momento em que a pessoa está cometendo um crime, por exemplo, quando alguém é preso no instante em que está roubando uma pessoa, ou furtando um carro ou matando alguém. Também estará em flagrante delito quem é detido logo após o cometimento do crime.

Em relação ao crime inafiançável, pode-se afirmar que é aquele delito grave, onde o preso não poderá pagar uma fiança para ser colocado em liberdade. São considerados crimes inafiançáveis, por exemplo, os crimes de tortura, tráfico de entorpecente, racismo, terrorismo, a ação de grupos armados e os crimes hediondos. Os crimes hediondos estão definidos em uma lei específica (Lei 8.72/90) e alguns exemplos deles são o homicídio qualificado; extorsão mediante sequestro; estupro; o tráfico internacional de armas de fogo dentre outros. Em resumo, um parlamentar só poderá ser preso em flagrante delito se estiver cometendo um crime inafiançável, ou seja, um crime grave.

Caso ele seja visto cometendo um crime de furto, ou de dano ao patrimônio ele não poderá ser preso em flagrante. Na história da nossa República, o primeiro parlamentar em exercício a ser preso em flagrante delito foi o senador Delcídio do Amaral, por integrar organização criminosa e tentar obstruir a investigação no âmbito da Operação Lava Jato.

Na hipótese de prisão em flagrante de um parlamentar, ele terá uma outra prerrogativa: a prisão deverá ser analisada em 24 horas pela casa a qual ele pertence. Assim, caso um senador seja preso, em até 24 horas o Senado deverá avaliar essa prisão, e decidir se ele continuará preso ou não. O mesmo raciocínio se aplica em relação ao deputado federal, pois sendo preso em flagrante delito, a Câmara dos Deputados decidirá se a prisão será mantida ou não, através do voto da maioria absoluta dos deputados.

Outra imunidade dos parlamentares diz respeito ao processo criminal movido contra eles. Quando o procurador-geral da República processa criminalmente um parlamentar perante o STF e, havendo concordância com a abertura desse processo por parte do Supremo, a respectiva casa legislativa será comunicada da abertura do processo criminal. Assim, se o processo for movido contra um deputado federal, a Câmara dos Deputados será notificada; e sendo contra um senador, o Senado Federal será comunicado.

Após essa ciência, há a possibilidade de algum partido político requerer a suspensão dessa ação. Havendo esse pedido de sobrestamento do processo, ele será votado, e somente a maioria absoluta da respectiva casa poderá decidir pela sustação do andamento da ação criminal. Caso a suspensão seja autorizada pela casa legislativa, o processo poderá ser retomado ao final do mandato parlamentar. Na próxima coluna, iremos estudar as imunidades do presidente da República.

 

 

 

 

Por Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP); professora de Direito Processual Penal e palestrante.

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