O jornalismo, com serenidade e sem preconceitos, precisa voltar o seu olhar para o fenômeno conservador. Ele é uma realidade e mostrou sua força nas eleições. Escreve Carlos Alberto Di Franco
23/11/2022 07:49
”Desqualificar quem não pensa como nós não pacifica. Ao contrário, acirra os ânimos”
Findo o segundo turno das eleições, em uma situação inédita no país, um número expressivo de brasileiros foi às ruas, em muitas cidades, para protestar contra o desfecho do pleito, por considerar que o resultado de margem muito estreita foi permeado por decisões questionáveis e não isentas do TSE. Mobilizações multitudinárias prosseguem e preocupam. Mostram um país dividido e fortemente polarizado. É preciso fazer um grande esforço, sereno e honesto, de pacificação. E isso exige entender o que realmente está acontecendo.
Os protestos serão mesmo antidemocráticos? Ou será que a liberdade de expressão, claramente defendida na Constituição, está sendo reinterpretada e corroída numa velocidade perigosa? Desqualificar quem não pensa como nós não pacifica. Ao contrário, acirra os ânimos. É preciso entender a razão dos outros, mesmo quando não coincidam essencialmente com a nossa.
Bloqueios em estradas, por óbvio, violam a lei, impedem o direito de ir e vir, causam desabastecimento e provocam o caos. São inaceitáveis. Pedir a intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral é legítimo? A resposta da Constituição é claramente negativa.
Desqualificar quem não pensa como nós não pacifica. Ao contrário, acirra os ânimos. É preciso entender a razão dos outros, mesmo quando não coincidam essencialmente com a nossa
Há várias razões para entender a indignação com a eleição de Lula e é legítimo protestar nas ruas e praças, como sempre foi e sempre será na democracia. Mas o único caminho da mudança está dentro do processo democrático. Não fora dele. Exige estratégia, perseverança e destreza política.
Qualificar como antidemocráticos quaisquer questionamentos não é um bom exemplo de conciliação ou pacificação e parece mostrar um enorme incômodo com o posicionamento de mais da metade da população brasileira que não se alinha com a história, a ideologia, as práticas e a agenda da esquerda.
Esse incômodo e essa expressão canhestra de intolerância com quem pensa diferente parece querer desconsiderar uma nova realidade que vem se consolidando ao longo dos últimos anos: boa parte dos brasileiros descobriu e se identificou com valores, pensamentos e práticas que podem ser chamadas de conservadoras. O advento das redes sociais, rompendo a hegemonia da agenda pública e cultural, gerou o fenômeno da desintermediação disruptiva. Novos personagens ocuparam o espaço das discussões e das reflexões e têm disseminado essa perspectiva que enaltece o indivíduo e a liberdade responsável.
O atual presidente tem servido muito mais como um representante desses anseios e aspirações conservadoras e liberais do que seu ativo orquestrador. O rótulo “bolsonarista” serve principalmente às vozes de esquerda, que de forma bastante estridente rotula de “bolsonaristas” a todos que não se alinhem com seu campo, tentando reduzir a ascensão dos conservadores a um personagem controverso e conflitivo. O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro.
Além disso, a esquerda também se esforça para que o conservadorismo não seja devidamente difundido e conhecido em suas propostas basilares, pois percebe que a ocupação do espaço político por uma cultura conservadora é o maior e mais poderoso obstáculo às suas pretensões hegemônicas. O conservadorismo não apenas tem o direito de existir como tem se mostrado muito representativo de boa parcela – talvez da maior parcela – da população brasileira.
O pensamento conservador tem raízes em Aristóteles, São Tomás de Aquino, John Locke, Montesquieu, Adam Smith, Edmund Burke e Alexis de Tocqueville. No Brasil, podemos destacar José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Gustavo Corção e Mário Ferreira dos Santos, entre outros. Alguns autores estrangeiros, no entanto, foram especialmente felizes em suas sínteses sobre o significado do conservadorismo, tais como Russell Kirk e Roger Scruton.
O jornalismo, com serenidade e sem preconceitos, precisa voltar o seu olhar para o fenômeno conservador. Ele é uma realidade e mostrou sua força nas eleições. O conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro
O conservadorismo é o único contraponto às ideias de uma esquerda radical que têm se mostrado humana e economicamente desastrosas em todos os países onde são impostas. Nas palavras de Russell Kirk, a humanidade precisa, “por meio de um conjunto coerente de ideias”, preservar “os elementos da civilização que fazem com que a vida valha a pena ser vivida”.
O jornalismo, com serenidade e sem preconceitos, precisa voltar o seu olhar para o fenômeno conservador. Ele é uma realidade e mostrou sua força nas eleições. Não podemos desconhecer ou desqualificar o fato.
O desengajamento do público com as empresas de mídia tradicionais já é uma dura realidade. Portanto, como bem salientou o jornalista e cientista político João Arantes, “para além do dever ético da profissão buscar sempre um alto grau de isenção e um compromisso total com a verdade, a própria moderação na escolha das pautas e a abordagem das matérias é, também, uma questão de sobrevivência dos jornais tal qual o conhecemos”.
O jornalismo, por óbvio, não pode ficar refém do público. A independência é parte importante do nosso ofício. No entanto, é necessário dialogar com os valores, ideias e necessidades da sociedade. Caso contrário, corremos o risco de perder relevância ao não falar adequadamente de temas e assuntos de interesse dos leitores, além de permitir que a tendência de migração da audiência para outras fontes de informação continue em crescimento.
Por Carlos Alberto Di Franco é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas.