A siderurgia brasileira, com todas essas oportunidades, algumas preteridas há bastante tempo, é o atual “cavalo selado” passando na porta do Brasil. Escreve Gustavo Rozenbaum Bcheche
23/01/2023 08:21
“É algo muito factível, está nas nossas mãos, das lideranças institucionais públicas e privadas”
Quem é a mineração comparada à siderurgia, como mola propulsora da sustentabilidade econômico-social do Brasil, afortunado com grandes e qualificadas reservas de minério de ferro? Por escolhas governamentais equivocadas, escasseiam-se políticas públicas e investimentos para incentivar o setor siderúrgico, que poderia alçar o país a outro patamar de desenvolvimento.
A tonelada do aço é vendida por até 10 vezes o preço da tonelada do minério de ferro, sendo a mesma diferença comparativa para a geração de empregos diretos. Ou seja, enquanto a mineração brasileira gera em torno de 340 empregos por tonelada extraída, a siderurgia emprega mais de 3.300 pessoas por tonelada de aço produzida. No aspecto de arrecadação, o setor do aço brasileiro recolhe quase seis vezes mais impostos do que se limitado a ferro, por tonelada. São R$ 1.140 recolhidos por tonelada de aço contra R$ 203 de minério de ferro.
Por que será que, com essas duas importantes evidências de efeitos econômicos positivos tão distintos, com vantagem inequívoca para a siderurgia, os governos fingem não ver e ficam impassíveis na criação de mecanismos para incentivar mais a siderurgia? Justiça seja feita, a siderurgia brasileira, sem a mineração, também não poderia ser o que se deseja que seja. Não há a intenção de contrapor os setores, até porque são estritamente complementares e parte da mesma cadeia de transformação, ensejando que um deveria transferir mais valor para o outro, em benefício do país.
O Brasil exporta 83% do minério de ferro que extrai, vendendo para outros países 357 milhões de toneladas de ferro ao ano, contra 11 milhões de toneladas de aço exportadas. Quanto perderemos se mantivermos a dinâmica como vem sendo praticada há tantos anos? Estamos entre os três maiores produtores de minério de ferro no mundo e em 9º lugar na produção de aço. Uma histórica oportunidade desperdiçada, sobretudo ao considerarmos agora que o Brasil é o país do mundo que reúne as melhores condições imediatas para produzir o “aço verde”. Além de produzir aço, é capaz de fazê-lo com baixíssimo impacto ambiental, através de tecnologia madura e se aproveitando de um recente mercado internacional – o de créditos de carbono.
É brasileira a primeira siderúrgica do mundo a ser certificada como neutra em emissões de gases do efeito estufa e que emite certificado atestando a pegada relativa de carbono dos seus produtos.Qualquer outro país que queira produzir, em escala, aço neutro em emissões, precisará investir intensivamente em pesquisa e inovação, enquanto esse custo e tempo no Brasil foi absorvido pela iniciativa privada há muitos anos, com tecnologias já comprovadas e operacionais. O caminho natural para essas nações, no curto prazo, será através do mecanismo de compensações e não pela produção limpa, como pode trilhar o Brasil.
Estamos no lugar certo e na hora certa, graças à pressão e busca internacional por processos descarbonizantes e por fontes limpas e renováveis de energia. Mas é preciso termos políticas públicas e segurança para os investidores assumirem riscos na construção de parques fabris e no reflorestamento de áreas degradadas para a produção de biocarbono com tecnologia empregada como fonte energética.
Com incentivos assertivos, podemos estar entre os cinco maiores produtores de aço do mundo em questão de menos de 10 anos, com incremento exclusivo de aço verde, enquanto outras nações precisarão passar por diversas provações e baixas de ativos na caminhada da transição energética. Temos condições geográficas, climáticas e técnicas para tanto. Para isso, há que se criar políticas e programas pelo governo, para que os grupos siderúrgicos aqui estabelecidos ou até entrantes, quem sabe, possam produzir aço a partir de florestas renováveis e, agregando tamanho valor, consumindo cada vez mais o nosso próprio minério de ferro.
Isso poderia significar mais do que dobrar a nossa produção atual de aço, elevando-nos ao bloco que disputa a 3ª maior produção global, equiparados com Japão, Estados Unidos e Rússia. Atrás da Índia e da distante China, que produz mais da metade do aço mundial com a impressionante marca de 1 bilhão de toneladas anuais, baseada ainda na matriz de consumo de combustíveis fósseis. O Brasil estaria com uma vantagem competitiva precoce e enorme para os longos anos da descarbonização que se aproximam com cada vez mais força.
Ao exportar esses 36 milhões de toneladas adicionais ao ano, deixaríamos de faturar R$ 33 bilhões com a venda do ferro equivalente, mas passaríamos a receber R$ 207 bilhões. Uma diferença positiva anual de cerca de R$ 170 bilhões. No cenário absolutamente possível de redução da capacidade mundial de aço “cinza” em velocidade maior que a da sua reposição por aço “verde”, poderíamos usufruir por algum bom tempo de uma situação de fronteira, autêntica e globalmente reconhecida com esse movimento. E com a possibilidade de diferenciar tal pioneirismo no preço do produto brasileiro e na venda de créditos por aprisionamento de carbono.
É algo muito factível, está nas nossas mãos, das lideranças institucionais públicas e privadas. A siderurgia brasileira, com todas essas oportunidades, algumas preteridas há bastante tempo, é o atual “cavalo selado” passando na porta do Brasil e é conveniente o governo brasileiro não continuar fingindo que não está vendo.
Por Gustavo Rozenbaum Bcheche, engenheiro civil e especialista em Gestão de Projetos, é CFO da Aço Verde do Brasil (AVB).