Opinião – Lições argentinas para o Brasil

A experiência argentina está à disposição para quem se dispuser a estudá-la. Caso o Brasil queira voltar ao passado, com medidas como congelamento de preços e inflação descontrolada, a aula está dada. Escreve Elton Duarte Batalha.

04/05/2023 11:44

“As consequências políticas, porém, são imprevisíveis, embora tendam a ser nefastas em um ambiente como o sul-americano…”

Reprodução/divulgação.

A Argentina tem sido, desde a redemocratização do país há quase quarenta anos, um laboratório de experiências econômicas. Governos à direita e à esquerda no espectro político têm aplicado teorias ortodoxas e heterodoxas na tentativa de tirar a nação do turbilhão de crises que, em maior ou menor grau, assolam os vizinhos dos brasileiros. O populismo na política e na economia é característica marcante de diversos países da América do Sul, entre os quais a Argentina e o Brasil. Por tal motivo, observar o momento atual dos argentinos pode propiciar reflexões sobre possíveis passos que os brasileiros devem ou não tomar na condução dos interesses nacionais.

Como sabido, o ambiente econômico na Argentina não tem demonstrado condições de propiciar boas perspectivas aos respectivos cidadãos, dada a gigantesca inflação superior a 100% ao ano (março de 2023), sendo 39,2% da população considerada pobre e 8,1% das pessoas com vida material em nível de indigência (2º semestre de 2022), segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). Considerando-se o panorama político argentino, marcado pela forte intervenção estatal na economia proposta pela visão peronista/kirchnerista, é evidente que algumas lições podem ser tiradas de modo a influenciar o caminho brasileiro.

No fim do ano passado, por exemplo, houve a implementação do Programa Preços Justos, baseado na ultrapassada receita de congelamento de preços de modo a diminuir o impacto da inflação no curtíssimo prazo do cotidiano da população. Nada melhor que soluções simples para problemas complexos, como a história do Brasil confirma: é claro que a questão inflacionária não foi resolvida e a medida adotada pode trazer outros efeitos deletérios, como o desabastecimento de certos produtos, dado o desincentivo aos produtores com tal interferência estatal. Em última análise, a mensagem passada ao mercado é péssima, pois mostra que os detentores do poder podem retirar a possibilidade de lucros dos investidores a qualquer momento. Note-se que o repasse do aumento da inflação aos preços de bens e serviços é questão de lógica econômica, não de degeneração moral dos empresários. Em vez de preocupar-se com o efeito inflacionário, talvez fosse mais produtivo ao governo preocupar-se com a causa de tal fenômeno. É questão importante a ser observada no Brasil em tempos nos quais o Presidente do Banco Central tem sido duramente criticado por manter os juros no patamar atual como forma de combater a inflação.

A experiência argentina está à disposição para quem se dispuser a estudá-la. Caso o Brasil queira voltar ao passado, com medidas como congelamento de preços e inflação descontrolada, a aula está dada. As consequências políticas, porém, são imprevisíveis, embora tendam a ser nefastas em um ambiente como o sul-americano, marcado historicamente por lideranças autoritárias e demagógicas, sedentas por manipular uma população desesperada por melhores condições de vida. O tempo irá dizer.

 

 

 

 

 

Por Elton Duarte Batalha é professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.

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