Opinião – Só o povo na rua resolve…

A questão é por que não saímos e dificilmente sairemos todos às ruas para apoiar Dallagnol ou qualquer uma das vítimas deste nosso tempo. Por que a indignação não nos afeta a esse ponto? Pense aí que eu penso aqui. Provoca Paulo Polzonoff.

22/05/2023 08:58

“não fui. Tampouco foram os que me garantiram presença dias antes, naquele momento de indignação”

Manifestantes se reuniram em ato de apoio a Deltan Dallagnol. Foto: Marcos Tosi/Gazeta do Povo

Ainda na quinta-feira (18) recebi o convite: uma imagem simples e enlutada, de tipologia sóbria e com a imagem do ex-deputado como se estivesse em alerta conclamava os curitibanos a uma manifestação de apoio a Deltan Dallagnol no domingo (21). “Venha de preto em sinal de luto”, dizia a imagem, o que conferia um tom de tragédia à coisa toda. Me pergunto a quantos enterros da democracia assisti nos últimos vinte anos. Não foram poucos.

Não hesitei. Na hora, encaminhei a mensagem para meia dúzia de amigos e, consultando antes a previsão do tempo, garanti: estarei lá. Com a mulher, fiz planos para adequar o protesto/velório à nossa rotina dominical de mercado, descanso e Missa. “Vai ser bom ver que não estamos sozinhos nessa”, disse, tentando convencer mais a mim do que à minha mulher. Ela só concordou com a cabeça e, como se fôssemos góticos, disse: “Roupa preta é o que não falta”.

A quinta, a sexta e o sábado se sucederam sem novidades. Muito trabalho ensimesmado na solidão do home office e derrota do Coritiba no Brasileirão. Quando chegou o domingo, porém, e depois de uma rara noite de insônia, acordei bem menos disposto a lutar pela democracia. A demonstrar o meu apoio a Dallagnol. A sair de casa. Ainda pela manhã, o mercado foi a primeira vítima. A geladeira está cheia. Ao longo da semana eu encontro um tempinho.

Às dez da manhã, contudo, o sacrifício cívico ainda estava mantido. Até que, de súbito, me lembrei dos versos de Yeats recentemente popularizados por Olavo de Carvalho: “Os melhores carecem de toda convicção, enquanto os piores estão cheios de intensidade apaixonada”. A tradução é ruim e não é minha. A constatação triste do poeta me levou de pronto aos negritos e palavras EM CAIXA ALTA de uma decisão recente de Alexandre de Moraes. Isso é o que eu chamo de intensidade apaixonada! Enquanto em mim residem cem mil dúvidas para cada semiconvicção. Se estou entre os “melhores” do poema, não sei.

Vacilando no propósito político, almocei tomado por um estranho sentimento de culpa. Como se minha presença na rua fosse fazer Benedito Gonçalves et caterva colocarem a mão na consciência e virem a público para dizer: “Olha, pessoal. A gente tava decidido mesmo a cassar o mandato do Dallagnol. Mas daí o pessoal da PF viu o Polzonoff na rua, todo de preto, gritando palavras de ordem e lutando pela democracia. E por isso estamos aqui para dizer que nos arrependemos e que vamos devolver o mandato ao Deltan”. E como se minha ausência…

Mercado e aniversário

Por fim, às duas da tarde (a manifestação estava prevista para as 15h), hesitando em me enlutar pela democracia recém-falecida (de novo!), entrei na conta de Deltan Dallagnol no Twitter. Quem sabe a promessa de um movimento realmente de massa não me convence? Mas não encontrei nada além de trechos de uma entrevista para o Estadão. No alto da página, o slogan me incomoda profundamente: “A voz da sua indignação no Congresso Nacional”.

(Convém registrar ainda que a “voz da minha indignação” está rouca de tanto gritar na derrota do Coxa para o Atlético Mineiro. Aliás, fica aqui a dica de um bom nome para compor o Supremo Tribunal Federal: o juiz que apitou a partida. “Excelente” árbitro! Tem todos os atributos necessários).

Resultado: não fui. Tampouco foram os que me garantiram presença dias antes, naquele momento de indignação. Sei disso porque confirmei com aquela meia dúzia do segundo parágrafo se, ao contrário de mim, eles ainda estavam firmes & fortes na “defesa da democracia”. As desculpas variaram do “Tenho que ir ao mercado” ao “É hoje mesmo? Esqueci que tinha o aniversário da sobrinha do cunhado do tio do padrinho do vizinho do papagaio do cachorro”.

E, pelo que vi posteriormente (i.e., agora há pouquinho), não foi muita gente. Ou foram muitos. Depende. A multidão é subjetiva. E até posso imaginar discussões acaloradas sobre isso. Mas a questão não é essa. A questão é muito mais simples. A questão é por que não saímos e dificilmente sairemos todos às ruas para apoiar Dallagnol ou qualquer uma das vítimas deste nosso tempo. Por que a indignação não nos afeta a esse ponto? Pense aí que eu penso aqui. A resposta talvez nos surpreenda.

Notas, Polzonotas

Rei da Desinformação Autorizada

Pouco antes da manifestação de apoio a Deltan Dallagnol, o Rei da Desinformação Autorizada, André Janones, disse que os organizações esperavam meio milhão de participantes. A ideia é tratar Dallagnol como o pária que ele evidentemente não é. Ao contrário de certas pessoas.

Janjapão

Sobre a viagem de Lula ao Japão, o que me estranha é a discrição da primeira-dama. Nenhuma gafe de Janja vestindo quimono, participando de uma Cerimônia do Chá ou comendo sushi com garfo? Tem certeza mesmo? Se bem que ainda dá tempo.

Identidade

O governo Lula anunciou com algum estardalhaço que a nova carteira de identidade não trará diferenciação entre nome e nome social, nem identificação da raça do indivíduo. Que, no entanto, continuará sendo apenas mais um número para o insaciável Leviatã. Detalhe: o documento atual já não traz nem uma coisa nem outra. A foto 3×4, no entanto, continuará lá. Feia como sempre.

Literatura

Morreu Martin Amis. É o começo da despedida da última geração dos grandes (tá, médios-grandes) da literatura inglesa. Depois deles, foi só multiculturalismo e Harry Potter.

 

 

 

 

 

Por Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor

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